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Crítica


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Sinopse

Mia e Kyle viajam a Espanha em busca da mãe biológica de Mia. No caminho dessa jornada que pretende chegar a grandes descobertas, os dois acabam se apaixonando.

Crítica

Mia (Virginia Gardner) é uma jovem órfã que sonha em encontrar a sua mãe biológica. Kyle (Alex Aiono) é um rapaz deprimido por conta de um acidente que resultou na morte de um amigo e na paraplegia de outro. Esses dois personagens que moram próximos se conhecem numa situação dramática, mas filmada como se fosse um encontro desajeitadamente fofinho: Kyle está prestes a se jogar no precipício por não suportar a culpa de sobrevivente carregada nas costas, quando Mia o percebe com a ajuda de sua câmera fotográfica e finge vulnerabilidade para atrair a atenção do quase suicida. A cena tinha tudo para ser tensa, mas acaba sendo uma situação típica de comédias românticas. Nos Vemos em Vênus tem dois protagonistas machucados pela vida, mas trabalha de modo esquemático para eles se apoiarem mutuamente. No primeiro terço da trama, Mia faz de tudo para tirar Kyle de uma espécie de área cinzenta letárgica; no segundo, as dificuldades iniciais de conexão vão dando espaço ao afeto; no terceiro, Kyle é quem precisará ajudar Mia a superar problemas de ordem médica e emocional. O longa-metragem lançado no Brasil pela Netflix toca em assuntos espinhosos, mas nunca se interessa profundamente por eles, apenas os utilizando como empecilhos para a felicidade prometida àqueles que acreditam no amor e mantêm o coração bondoso. O resultado é o romance meloso que obscurece o restante.

Durante boa parte de Nos Vemos em Vênus, Virginia Gardner carrega o filme nas costas. Isso porque, ao compor o seu personagem, Alex Aiono confunde introspeção com apatia, se limitando a silêncios prolongados e cenho franzido para expressar um monte de coisas. Mesmo que não tenha um desempenho tão destacado também, ao menos a atriz consegue tornar crível a menina que esconde seus problemas atrás de uma atitude fundamentalmente positiva. No entanto, prevalece uma sensação de artificialidade, sobretudo no que diz respeito à construção dos dramas dos personagens. Embora a jornada de Mia seja para encontrar a mãe biológica, sua orfandade acrescenta pouco à trama (quase nada, na verdade). A garota vive numa casa de acolhimento de excelência, chefiada por uma mulher preocupada com o seu futuro. Quando Mia diz que passou por muitas residências adotivas até chegar à maioridade, pouco dessa errância efetivamente importa à construção de sua personalidade. De modo semelhante, Kyle perambula sem motivação até encontrar a sua salvadora, mas não tem problemas de outras ordens. Quando surge a oportunidade de viajar, seu pai lhe entrega um cartão de crédito indicativo de sua condição econômica confortável – e em nenhum momento é identificada qualquer diferença social entre o garoto de classe média abastada e a menina órfã que está torrando as economias.

Nos Vemos em Vênus é aquele tipo de filme que não está preocupado com a espessura do drama, pois o submete ao romance idealizado quase como num conto de fadas. Mia é uma espécie de Gata Borralheira contemporânea que acredita ser suficiente pensar positivo para superar os próprios problemas. Uma vez que ela cumpre a tarefa de resgatar Kyle do limbo, de mostrar a ele que a vida é muito mais do que chafurdar numa poça de autocomiseração, é a vez dele de ajudar a recém-adulta a lidar com expectativas e outras questões. A condução de Joaquín Llamas vai encaixando comodamente as demandas dos personagens, bem como os desdobramentos de suas decisões, em caixinhas que não permitem controvérsias e/ou qualquer tensão divergente do discurso amoroso. O roteiro assinado por Victoria Vinuesa ainda desperdiça dois pontos: um deles é a revelação de que Mia tem conexão com uma figura do passado traumático de Kyle – saber a verdade causa uma pequena turbulência rapidamente vencida; o outro é a descoberta de uma doença possivelmente fatal que pode atrapalhar ainda mais os planos dos pombinhos – subterfúgio artificial que aparece somente como outro problema grave a ser superado de modo previsível num filme que não consegue lidar bem com os problemas e afins. Desse ponto em diante, o longa se filia à tendência estranha dos jovens românticos condenados por doenças.

De uns anos para cá, vários filmes trouxeram como mote adolescentes apaixonados, mas que não poderiam vivenciar plenamente os seus sentimentos em virtude de uma condição terminal. Nos Vemos em Vênus pega carona nessa onda ao tirar da cartola (de modo repentino) a informação que pretende adicionar mais dramaticidade ao caminho da dupla Mia/Kyle. A culpa, o sentimento de abandono, as dificuldades de ressocialização, a coragem necessária para enfrenar a morte, os obstáculos inerentes à procura da mãe em outro país, tudo isso é inofensivo diante da predisposição a consertar tudo em prol da vitória do amor. Assim que os protagonistas se encontram não é difícil antever, exatamente, o que vai acontecer com eles, pois o roteiro de Victoria Vinuesa é todo construído a partir de lugares-comuns. Kyle resiste a Mia, aos poucos vai cedendo a se apaixonando sem ao menos perceber, e depois se torna fundamental para salvar a amada dos abismos nos quais ela foi se colocando. Problemas potencialmente profundos desaparecem como num passe de mágica, as ocasionais privações financeiras nunca afetam a jornada e tudo converge para o famigerado “felizes para sempre”. Desprovido de carisma e eloquência (até mesmo na hora de ser meditativo), Kyle cumpre a cota do bonitão que precisa ser salvo enquanto Mia é a curandeira emocional que necessita aprender a ser também curada.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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