Crítica
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Sinopse
Em Nosferatu, o corretor de imóveis Hutter precisa vender um castelo cujo proprietário é o excêntrico conde Orlock. O conde, na verdade, é um vampiro milenar que espalha o terror ao chegar na Alemanha em busca de Ellen, a jovem esposa do rapaz que lhe vendeu a propriedade. Remake do filme de 1922.
Crítica
Todas as peças estão nos seus devidos lugares. O rapaz ambicioso, o patrão com segundas intenções, o monstro sedento por sangue, a noiva indecisa entre o compromisso social e a paixão avassaladora que lhe atormenta. Soma-se a isso a visão bastante particular de Robert Eggers, um dos poucos cineastas contemporâneos a se esforçar em imprimir uma marca própria em seus trabalhos em meio a uma Hollywood que tem se tornado mais despersonalizada e genérica a cada ano que passa. O resultado é este Nosferatu, um filme que ao mesmo tempo em que busca prestar uma homenagem a um dos maiores clássicos do cinema de horror (e da sétima arte em geral), tenta se manter em pé por si só, almejando uma originalidade rara e imprecisa. É curioso perceber o quão perto o conjunto aqui reunido chega em um ou outro momento. No todo, porém, o que se tem é justamente aquilo que mais se temia: uma reunião de talentos que se confirma aquém dos méritos individuais.
A turma dos 30+ poderá ter a sensação de “já vi isso antes” diante de Nosferatu. E não estará de modo algum equivocada. Afinal, como ficou implícito acima, trata-se de uma refilmagem de uma obra não apenas já levada às telas em duas outras ocasiões – Nosferatu (1922), de F.W. Murnau, e Nosferatu: O Vampiro da Noite (1979), de Werner Herzog – como sua própria autoria pode ser questionada, uma vez que se sabe se tratar de uma apropriação do clássico Drácula, de Bram Stoker (como a família do escritor não autorizou o uso do texto para uma adaptação para o cinema, Murnau não se fez de rogado e foi adiante, apenas trocando o nome do protagonista). As similaridades entre o filme de Eggers e o emblemático Drácula de Bram Stoker (1992), o último grande longa assinado por Francis Ford Coppola, saltam aos olhos. Keanu Reeves é substituído por Nicholas Hoult (esse, no entanto, sem a ingenuidade opaca do astro de John Wick), Winona Ryder é lembrada com entusiasmo a cada aparição da insossa Lily-Rose Depp (mais notável por ser filha de quem é do que por seu potencial artístico), Willem Dafoe faz às vezes do caçador vivido por Anthony Hopkins em uma troca equilibrada, e Bill Skarsgard mergulha em meio às sombras e a uma caracterização ostensiva como que a evitar qualquer comparação com a figura marcante de Gary Oldman como o Senhor das Trevas.
O que, portanto, Eggers pode colocar à mesa como diferencial nessa sua abordagem? Deixa-se de lado a artesania manual de Coppola ou as investidas divergentes entre bela e fera de Herzog para resgatar o espírito expressionista da primeira versão. Não chega ao ponto de fazer uso de uma fotografia em preto e branco, como o diretor havia incorrido em O Farol (2019), mas a profusão de tons de cinza e azul, além de um evidente jogo entre claro e escuro, transbordam em cena, remetendo o espectador ao mesmo universo perverso de A Bruxa (2015). Porém, o realizador se ressente de não ter ao seu lado nomes fortes, como foi o caso em O Homem do Norte (2022) – o elenco principal era formato por vencedores do Oscar, Emmy e Globo de Ouro – e assim mesmo jovens promissores, como Hoult, se mostram perdidos entre a ausência de motivações e decisões incoerentes, que pouco parecem fazer sentido. Pior ainda é o casal formado por Aaron Taylor-Johnson e Emma Corrin, que aparece como “os melhores amigos” e vizinhos, mas sem muito com o que contribuir além de distribuir caras e bocas em reação às atrocidades as quais o grupo se vê submetido. Chamar suas presenças de desperdício revela não apenas condescendência, mas também falta de discernimento a respeito do quanto ambos poderiam ter contribuído em elevar o resultado.
Para os turistas de primeira viagem, basta saber que o nobre Orlok (Skarsgard), um conde secular, está apaixonado pela bela Ellen (Depp), a quem seduz em seus sonhos. Porém, para tê-la em definitivo no seu leito de morte e devoção, terá que induzi-la a ele se declarar por livre e espontânea vontade, nem que para isso tenha que ameaçá-la com a danação eterna do noivo da moça, o corretor imobiliário Hutter (Hoult), de quem se aproxima com a desculpa de estar interessado na aquisição de um antigo castelo em ruínas. O rapaz demora a se dar conta do perigo, tempo suficiente para o monstruoso Nosferatu deixar uma esquecida Transilvânia e se mudar para a moderna Berlim, espalhando terror e desespero pela capital alemã. Seus desafetos passam a ser eliminados sem muita cerimônia, e o cerco aos recém-casados vai rapidamente se fechando. Hutter contará apenas com a ajuda do professor von Franz (Dafoe), um dos únicos a suspeitar da verdadeira natureza do mal que deles se aproxima. Trata-se, enfim, de uma história de amor e desespero, de terror e vingança, que faz uso de recursos sobrenaturais para questionar a sanidade dos seus principais envolvidos. O mestre em ação é Eggers, que une tais peças por meio de sugestões e notas profundas, combinando uma fotografia estudada, entre insinuações e segredos, e uma trilha sonora marcada por tons perturbadores, com uma montagem que tanto revela quanto esconde, indicando que nada, por mais aleatório que se apresente, é impensado ou movido pelo mero instinto. Há muito por trás de cada passo. Falta apenas um alicerce que sustente tais provocações.
Eis, enfim, o ponto frágil deste Nosferatu: um elenco que se mostra aquém do que lhe é exigido. O caçula Skarsgard tem construído uma filmografia por trás de máscaras e forte maquiagem, e dessa vez não foi diferente: se há algo digno de nota em sua composição é a imposição vocal, soturna e assustadora tal qual se imaginaria diante de um personagem tão repleto de contradições. No mais, faz bem o diretor em escondê-lo por meio de penumbras e luzes enviesadas. Nicholas Hoult é um astro cada vez mais em evidência, e nas mãos de diretores preocupados com o desempenho de seus atores – como Clint Eastwood, em Jurado Nº 2 (2024), por exemplo – é capaz de surpreender. Mas o mesmo não se repete por aqui, indeciso entre o heroísmo e a fatalidade. Porém, o vértice mais frágil desse triângulo é mesmo Lily-Rose, por vezes sedutora, em outras revoltada, recusando-se a se mostrar como a vítima de um ser ardiloso e perverso, como tal é descrita. Enfim, os elementos estão presentes, como dito no começo desse texto, e ordenados nas posições esperadas. Faltou dar liga, a talvez inexplicável ‘química’ que justifique suas decisões e ofereça uma lógica interna ao conjunto. Do jeito que está, pode até deslumbrar os sentidos, mas pouco deverá perdurar frente a qualquer análise mais profunda e elaborada.
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