Nosso Planeta, Nosso Legado
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Yann Arthus-Bertrand
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Legacy, notre héritage
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2021
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França
Crítica
Leitores
Sinopse
Crítica
No momento de fazer a análise de um filme, é comum que algumas pessoas confundam a importância do tema, e eventualmente a responsabilidade com a qual ele é apresentado/discutido, com seus méritos estritamente cinematográficos. Nem sempre uma produção que contenha assuntos e/ou perspectivas importantíssimas é boa e, às vezes, algo que carrega mensagens perniciosas pode até ser instigante do ponto de vista da linguagem. Claro que a função do crítico é observar equilibradamente essa associação entre forma e conteúdo em prol da ideia geral, mas dizer que a simples abordagem de “grandes temas” se torna suficiente para que um filme seja bom seria incorrer num reducionismo. Um filme é um organismo mais complexo do que muitos querem reconhecer e, assim como tudo, comporta tais contradições. Dito isso, Nosso Planeta, Nosso Legado é um documentário de estrutura muito semelhante a dos programas do Discovery Channel. Ele possui estética, narrativa e e cacoetes análogos às das atrações educacionais e científicas veiculadas no canal de televisão norte-americano. Num primeiro momento, isso implica a narração informativa em off, como se estivéssemos tendo uma aula. Ou seja, o intuito é estritamente didático. Especialmente a primeira parte do longa escrito, dirigido e narrado por Yann Arthus-Bertrand é caracterizada por esta lógica de conferência. O realizador traça um panorama evolutivo que começa bem antes da vida humana povoar de maneira determinante nossa Terra.
Fotógrafo e cineasta, Yann Arthus-Bertrand retoma os assuntos trabalhados no também documental Home: Nosso Planeta, Nossa Casa (2009), principalmente a deterioração do planeta por conta da experiência humana predatória. E exatamente como um professor, ele começa Nosso Planeta, Nosso Legado falando verticalmente das complexas trocas de informações das árvores, de como esses organismos venceram barreiras naturais impostas pelo meio ambiente antes essencialmente rochoso; discorre longamente sobre a formação dos oceanos, esmiuçando no processo a constante troca de estados da água; menciona de que formas os comportamentos animais contribuíram para a sustentabilidade da vida mamífera; chega aos humanos e à sua noção crescente de comunidade. Estamos citando o conteúdo falado, os temas encarados, mas e o visual? O documentário possui imagens meramente ilustrativas, valiosas pela beleza evocativa, menos por uma capacidade de complementar o que está sendo dito. Obedecendo à sua vocação como fotógrafo, o cineasta nos brinda com vislumbres belíssimos de florestas frondosas, planícies não menos vistosas, oásis quebrando a aridez dos desertos, grupos de pessoas durante as tarefas domésticas e/ou coletivas. Assim, a lição sobre como se formou o planeta é desenhada pela lindeza do corpo celeste que, sabemos, está entrando em franco colapso.
Evidentemente que um filme precisa, também, ser interpretado de acordo com as suas intenções. E é bastante claro que Nosso Planeta, Nosso Legado deseja, mesmo, ser uma palestra sobre a beleza dos ecossistemas e das biodiversidades cultivadas pela sabedoria do planeta ao longo dos anos e, depois descambar, em seu segundo momento, a um diagnóstico menos positivo. O que pesa contra o documentário não é essa intenção, longe disso, mas a forma pouco criativa para convidar no espectador a essas lições importantíssimas. Basicamente, o que temos é a repetição de: um homem falando de sua visão apocalíptica (baseada em fatos científicos) para gerar um pedido de socorro. Aliás, pena que Yann Arthus-Bertrand prefira se colocar apenas como narrador-docente, utilizando migalhas de sua subjetividade como outro elemento contextual. No começo da trama, ele fala da experiência em países africanos e do aprendizado ao morar por anos em torno de animais selvagens. E isso somente deixa marcada a sua “autoridade” para tocar no assunto (como se a experiência fosse suficiente nesse sentido). O cineasta não trata esse dado como componente de conexão entre o eu, o nós e o ecossistema. Tanto que no encerramento Yann finalmente aparece para servir de moldura a dados e a outras estatísticas.
Se a metade inicial de Nosso Planeta, Nosso Legado é uma ode à manutenção das inúmeras vidas no planeta Terra, a segunda se dá após uma previsível guinada à visão menos romântica da atualidade. Yann Arthus-Bertrand começa a falar dos efeitos nefastos do consumo desenfreado de carne e de outros alimentos processados; lança suas críticas ao agronegócio e à pesca industrial; e, ainda baseado em dados científicos, reforça o quanto a dependência do combustível fóssil pode ser um caminho irremediável para a extinção da espécie humana. Muito de vez em quando ele ensaia, por exemplo, falar sobre o ímpeto desembestado das pessoas por progresso, em que pesem os preços naturais a serem pagos. No mais das vezes, embora o tom da segunda seja oposto ao da primeira parte – e essa mudança é uma oposição esquemática –, o monocórdico procedimento audiovisual segue rigorosamente o mesmo: as falas do narrador são ilustradas por lindas imagens áreas. A única diferença é que antes essa “beleza” está a serviço da celebração da biodiversidade e depois serve para sublinhar os efeitos colaterais da existência predatória do homem Yann Arthus-Bertrand faz magníficos planos de fábricas fumegantes e de outras abominações, não utilizando essas imagens para provocar algo diferente no espectador do que tinha feito com as das árvores e dos animais. Assim, o discurso cabe numa embalagem agradável, o que não parece aconselhável para um filme que tem a intenção de alarmar.
Filme visto no 12º Festival Varilux de Cinema Francês, em novembro de 2021.
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