Crítica
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Sinopse
Cláudio Rodrigues de Mattos e Claucirlei Jovêncio de Sousa, respectivamente apelidados de Claudinho e Buchecha, se tornam um verdadeiro fenômenos musicais dos anos 1990 com hits que ecoam até a atualidade no público.
Crítica
Uma boa e uma má notícia sobre a aguardada cinebiografia da dupla Claudinho e Buchecha. O senso comum pede que primeiro falemos da má, então lá vai: trata-se de um daqueles filmes que desejam “abraçar o mundo” ao apresentar diversos episódios e subtramas, por isso acaba sendo superficial e apressado nas suas abordagens. Vamos logo à boa: apesar dessa dispersão, o longa-metragem consegue fazer uma bonita homenagem à amizade desses dois garotos fluminenses de origem pobre que subiram na vida por conta do funk melody. Tudo começa num momento trágico, quando Buchecha (Juan Paiva) está desolado à beira da estrada logo depois de testemunhar o que restou do automóvel que levava o seu amigo de volta para casa pós-show. O que temos depois disso é o típico recorte que pretende resumir o vínculo entre os personagens principais, começando no dia em que eles se conhecerem ainda na infância e indo à retomada do instante dramático em que a fatalidade separou os filhos de São Gonçalo. Logo cedo na trama aparece um personagem importante para Buchecha, seu pai Claudino (Nando Cunha), homem cuja violência obrigou o filho adolescente a se mudar para o morro do Salgueiro – o que, por sua vez, permitiu o reencontro com o amigo Claudinho (Lucas Penteado). Essa figura paterna hesitante atravessa o filme como um todo. Infelizmente é o assunto mais mal resolvido.
Enquanto prepara o terreno para mostrar a ascensão de Claudinho e Buchecha, o diretor (e co-roteirista) Eduardo Albegaria faz a lição de casa e desenha bem a personalidade dos futuros cantores. Buchecha é um jovem mais pé-no-chão, calejado pela vida sofrida, e que se entristece com a indiferença do pai diante de sua carteira assinada (um evento indicativo da relação). Já Claudinho é um rapaz solar, daqueles que falam sorrindo e que sempre têm uma palavra de incentivo. Os desempenhos de Juan Paiva e Lucas Penteado são os principais destaques de Nosso Sonho, inclusive nas cenas de apresentação musical. Nelas, ambos regravam os grandes sucessos dos biografados. Juan tem a tarefa um pouco mais espinhosa de representar momentos dramáticos intensos, vide as discussões com o pai alcoólatra de quem Buchecha buscava aprovação e os dilemas entre seguir do emprego fixo e abraçar de vez a volátil, porém recompensadora, carreira artística. Os dois atores jovens dão conta dos papeis que lhe cabem e Penteado, embora não tenha tantas camadas a trabalhar, é uma presença cativante como essa figura vibrante fundamental para sonhos impossíveis de ambos se tornarem uma realidade palpável. Ainda no quesito interpretação, Nando Cunha é preciso ao compor a complexidade do pai frustrado de Buchecha e se destaca – é dos poucos coadjuvantes com alguma importância.
Talvez para não perder de vista o foco na amizade entre Claudinho e Buchecha, Nosso Sonho resolve de modo insatisfatório as questões enfrentadas por Buchecha e pelo pai Claudino. Num primeiro momento, o cantor parece completamente enfeitiçado pela referência paterna, mesmo que ela seja mais uma ausência em sua vida. Depois de um período longo de fidelidade a essa idolatria, o cantor passa ao polo contrário, ou seja, começa a sentir desprezo pelo sujeito que o colocou no mundo, mas que pouco fez por sua criação. Eduardo Albegaria toca regularmente no assunto, o mantendo sempre à vista, mas não faz mais do que enfatizar os altos e baixos, evitando, por exemplo, estudar um pouco melhor a frustração do homem que experimenta sentimentos conflitantes diante do sucesso inesperado do filho cantor. E, nesses imbróglios familiares, a mãe de Buchecha, a ex-vizinha que virou esposa, a tia que acolheu num momento de crise, ou seja, todas as mulheres fundamentais ao protagonista são enxergadas de modo insuficiente pelo filme, restritas às suas funções e nada mais. Por exemplo, em nenhum momento Buchecha coloca a mãe na equação da sua conturbada relação com o pai, nunca se posicionando sobre o tratamento dispensado por Claudino à mulher que sofreu nas suas mãos. Desse modo, o problema é restrito à carência do filho em relação ao pai que deixa de ser herói.
Mas, em que pesem todas essas fragilidades – entre elas a missão de contar diversas coisas num curto espaço de tempo –, Nosso Sonho tem um assunto implícito interessante: a ascensão social dos jovens negros por meio da arte, fruto da expressão de sua subjetividade em forma de rima e melodia. Aproveitando bem a quantidade enorme de hits da dupla (Fico Assim sem Você, Nosso Sonho, Quero te Encontrar, Só Love, Rap´do Salgueiro, Conquista, entre outros), Eduardo Albergaria mostra que Claudinho e Buchecha galgaram os degraus da fama abordando questões cotidianas nas comunidades periféricas do Rio de Janeiro. Ainda que essa constatação seja diluída por um discurso repetitivo sobre a amizade que salva vidas, ela está ali, à disposição de quem quiser enxergar mais do que uma história rumo ao sucesso. Sim, pois os milhões de álbuns vendidos e os inúmeros shows feitos para plateias lotadas significou uma alteração significativa no estatuto social de famílias acostumadas à pobreza e a esperar o mínimo de condições para sobreviver. Voltando ao discurso em torno da conturbada relação pai/filho, o filme chega muito próximo de ser condescendente com os erros do personagem de Nando Cunha ao tratar as atitudes do homem amargurado como fundamentais para criar uma casca adulta nesse menino desamparado (vide a recusa do pai em ajudar com as composições, o que motivou Buchecha a compor). Porém, apesar dos discursos fáceis e das lições de vida, o longa tem seu charme e, ao menos, presta uma bonita homenagem à amizade que rendeu sucessos e outros frutos bonitos.
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