Sinopse
Crítica
A premissa promete um típico enredo de superação. Nyad conta a história extraordinária da nadadora norte-americana Diana Nyad (Annette Bening), ultramaratonista aquática que fracassou ao tentar uma travessia a nado entre Cuba e os Estados Unidos quando tinha 28 anos de idade. Aos 60, depois de décadas de inatividade profissional, ela encasqueta que agora tem a maturidade mental para vencer o desafio e resolve botar o corpo à prova. A protagonista obstinada é do tipo facilmente tomada por uma teimosa cabeça-dura capaz de arriscar os amigos por conta da obsessão pessoal. Mas, o principal trunfo do filme dirigido por Jimmy Chin e Elizabeth Chai Vasarhelyi é a presença de Annette Bening vivendo essa mulher. Trata-se de uma intérprete fenomenal que consegue representar aqui uma personalidade singular, dotada de camadas dramáticas que a distanciam da pura antipatia. Indicada ao Oscar de Melhor Atriz, a artista estadunidense compõe uma Nyad parecida com a da realidade, ou seja, procura traduzir em termos cinematográficos o comportamento extravagante e egoísta da atleta que convoca os demais a agirem como coadjuvantes de sua narrativa grandiosa que envolve romper barreiras e desafiar a natureza. A principal parceira de Nyad é Bonnie (Jodie Foster), a fiel escudeira, a amiga de todas as horas, a treinadora que incentiva essa nadadora sexagenária na empreitada de risco.
Há muitas cenas de Nyad ambientadas nas águas, principalmente durante as tentativas de Nyad de chegar à costa estadunidense partindo do país caribenho. Nelas, a câmera enfatiza bem a determinação quase suicida para derrotar as probabilidades a fim de provar ao mundo capacidades pouco associadas a alguém com mais de 60 anos de idade. No entanto, para além da façanha esportiva existe a personalidade da mulher que parece desesperada para alcançar algo que a tire da mediocridade. É como se Nyad estivesse numa espécie de dívida consigo própria. Para engrossar o aspecto emocional, Jimmy Chin e Elizabeth Chai Vasarhelyi recorrem aos flashbacks que mostram a relação de Nyad com o pai por quem sempre teve idolatria e com o treinador que abusou dela sexualmente. No entanto, os realizadores utilizam esses aspectos da falta paterna e do trauma com outra figura masculina de autoridade somente para aumentar as informações sobre a personagem que vai enlouquecendo seus parceiros de empreitada aos poucos. O filme nunca mergulha efetivamente nas consequências desse estupro de vulnerável e tampouco associa a saudade do pai com qualquer traço do comportamento presente de Nyad. Assim, essas duas dimensões acabam minimizadas pelo repetido elogio à persistência. Mas, o trabalho excepcional do elenco evita que o filme caia num marasmo por providenciar as nuances.
Nyad investiga apenas superficialmente os sentimentos e as decisões da protagonista, nunca avançando, por exemplo, na relação entre Nyad e Bonnie, senão como parceiras de vida – é claramente uma questão de tempo até a parte menos contemplada ter um lampejo de clareza e “explodir”. É exatamente nesse ponto crítico da trama que Annette Bening e Jodie Foster mostram como o talento de ambas pode (como de fato acontece) compensar um material simplista. Ao contracenarem, as atrizes engrandecem diálogos que na boca de intérpretes menos experientes poderiam soar piegas ou romantizados demais. Especialmente Bening sempre age como se Nyad estivesse manifestando algo ao exterior (sua autoconfiança, força e resiliência) e escondendo uma série de outras coisas do mundo. Na sua cabeça, é como se a revelação de sua intimidade a tornasse frágil, por isso esconde o essencial. Foster tem um terreno menos extenso para desenvolver a escudeira que doa tempo e disposição para colocar a amiga nos holofotes, um tipo de altruísmo que o filme observa de modo elogioso. Ainda assim, remando nos mares bravios contra os lugares-comuns, ambas dignificam os seus respectivos papeis, servindo à humanidade das personagens com uma capacidade impressionante de transformar chumbo em ouro. Outro que brilha com pouco é Rhys Ifans na pele de um lobo do mar calejado pelas ondas.
O filme defende que Nyad conquistou algo inédito, nem chegando a citar as controvérsias em torno desse feito. Na realidade, a nadadora não aderiu a todos os protocolos exigidos para uma ultramaratona a céu aberto, teve assistências que a desclassificariam de acordo com as regras da Associação Mundial de Nadadores em Mar Aberto, além dos registros de GPS que mostram uma aceleração atípica em alguns trechos e das nove horas faltantes de comprovação audiovisual. Caso tome o relato do longa-metragem como verdade, o espectador sequer vai ficar sabendo das polêmicas, pois o roteiro assinado por Julia Cox, com base no livro autobiográfico da Diana, nem sequer cita as tais contestações. Diferenças à parte entre fatos e representação, um dos grandes problemas de Nyad é o modo como ele retrata o possível êxito, o condicionando a uma ideia de aprendizado pessoal sobre a valorização da coletividade. É somente quando leva a chacoalhada da melhor amiga e cai em si sobre o egoísmo que a protagonista parece ganhar uma espécie de autorização para triunfar. Relacionar amadurecimento a êxito é um modo muito raso para retratar o feito dessa sexagenária singular, o que diminui ainda mais os esforços tímidos para compreender as motivações e as cicatrizes por trás de seus comportamentos. Annette Bening é o destaque supremo desse filme moralista sobre como devem ser e agir os campeões.
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