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Sinopse

Quando livros são banidos de certos distritos escolares, há muitas pessoas prejudicadas. O filme dá espaço para as vozes delas ecoarem.

Crítica

Quando ouvimos falar de livros proibidos logo achamos se tratar de um momento vergonhoso do passado, provavelmente fruto da ascensão pretérita de governos autoritários e/ou fascistas. No entanto, O ABC da Proibição de Livros traz à tona a atualidade desse fenômeno espúrio que priva milhares de estudantes dos Estados Unidos do acesso a títulos importantes. Não à toa, os temas mais perseguidos por pais e conselhos escolares conservadores são a liberdade individual, a igualdade de direitos da comunidade LGBTQIAPN+, além da opressão a grupos étnica, religiosa e racialmente oprimidos. É algo também visto há pouco no Brasil com a censura a O Avesso da Pele, de Jeferson Tenório, vencedor do prêmio Jabuti (o mais importante da literatura nacional), alvo de censura numa escola da cidade gaúcha de Santa Cruz do Sul e, ainda mais recentemente, recolhido pela Secretaria de Educação do estado do Paraná. Portanto, o tema desse curta-metragem indicado ao Oscar 2024 não é um resgate visando evitar a repetição de políticas escusas, mas a denúncia de que esse expediente voltou como uma bandeira dos ultradireitistas.

Formalmente, O ABC da Proibição de Livros é bastante simples. Os diretores Sheila Nevins, Trish Adlesic e Nazenet Habtezghi forneceram a estudantes entre oito e 16 anos de idade alguns dos exemplares considerados “perigosos” pelas juntas escolares dos Estados Unidos – separados em restritos, questionados e proibidos. A grande força desse documentário com um pouco menos de 30 minutos de duração é o conjunto de falas perplexas dos pequenos a respeito do que poderia ter motivado tantas ressalvas. É desconcertante ver meninos e meninas espantados pela proibição de um livro que fala, por exemplo, dos horrores da Segunda Guerra Mundial. “Proibir esse livro é como apagar a história dos judeus”, diz a criança incrédula de que o tema possa ter ferido a suscetibilidade de alguém. Fica implícito que a questão da censura a livros é tão escandalosa que até mesmo a camada infantil da sociedade compreende a falta de sentido desse tipo de atitude censória que nos faz parecer uma coletividade imersa nas trevas obscurantistas da Idade Média. Portanto, esse curta atua em prol do diagnóstico da atual geração dominante.

Não à toa, Sheila Nevins, Trish Adlesic e Nazenet Habtezghi abrem e fecham o filme com uma mulher centenária defendendo apaixonadamente a liberdade de ler os exemplares proibidos, afirmando ser viúva de um homem morto na Segunda Guerra mundial exatamente ao defender ideais como liberdade e democracia. Tendo em vista essa senhora, representante do passado, em perspectiva com as crianças, agentes do futuro, a acidez de O ABC da Proibição de Livros está direcionada àqueles que atualmente exercem o poder, às pessoas que representam um presente feio e agressivo. A contemporaneidade é manchada pela censura, por um tipo de procedimento castrador que pensávamos restrito às matérias de estudo nos livros de História. A trinca de realizadoras, basicamente, repete a perplexidade somada à perspicácia infantil no diagnóstico de que mensagens empoderadoras e progressistas não são bem-vindas. Isso institui duas coisas: 1) há interesses hegemônicos no sufocamento da diversidade; 2) conservadores veem como perigosa a compreensão mais ampla da existência individual e coletiva. E nada justifica a censura.

Numa crítica de cinema, nos convém observar vários aspectos, não sendo exageradamente mobilizado pela urgência/importância do tema, pois isso não garante a qualidade de um filme. O ABC da Proibição de Livros é importante como reflexão desse nosso presente atravessado por expedientes absolutamente anacrônicos, acrescida do posicionamento de crianças que deixam de lado a passividade infantil e tomam para si o protagonismo do debate. Visualmente falando, é um pouco repetitiva demais a dinâmica de mostrar as capas de livros censurados, alternando esse dispositivo com o assombro de crianças esclarecidas sobre a indefensabilidade de privar alguém de uma leitura por motivações ideológicas. Mesmo assim, os depoimentos são fortes o suficiente para capturar a nossa atenção e transmitir a essencial mensagem de alerta. Sheila Nevins, Trish Adlesic e Nazenet Habtezghi usam bem o tempo reduzido para fazer uma síntese da questão, cujo privilégio é dado à voz de quem poucas vezes é ouvido em meio às polêmicas com magnitude de engajamento. Logo, é careta em sua forma, mas certeiro em seu conteúdo.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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