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Sinopse

De lua de mel em Roma, uma mulher decide encontrar um escritor de quem é assídua leitora. Porém, ela acaba numa jornada com o personagem central de suas histórias, uma aventura romântica como a dos sonhos.

Crítica

O amor de Ivan é por Wanda. Mas o amor de Wanda é pelo Sheik Branco. E não só por ele, mas pela cidade grande, a vida agitada da capital, as modernidades de última hora e tudo mais que o mundo tem a lhe oferecer e que ela ainda desconhece. Ignorante dos anseios de sua noiva, Ivan a leva para uma visita a Roma durante a lua de mel. Ele quer visitar os pontos turísticos, exibi-la aos familiares que ali moram e receber a bênção do Papa. Ela, no entanto, tem outros planos. Os dois, como se pode antever, não tardarão a enfrentar uma série de decepções e, ainda mais importante, readequações em relação às suas expectativas – não só no que diz respeito às suas próprias existências, mas principalmente em relação ao outro. E é partindo de uma situação quase cartunesca que Federico Fellini estreou nos cinemas com o curioso Abismo de um Sonho, talvez um dos seus trabalhos mais singelas, seja pela reflexão que provoca como pelas figuras que evoca – e que seriam melhor desenvolvidas em seus longas seguintes.

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Após registrar seu nome pela primeira vez na condução de um projeto com o melancólico Mulheres e Luzes (1950), co-dirigido por Alberto Lattuada, Fellini retornou às telas com um exercício muito mais leve e pitoresco. É importante lembrar que, ainda que fosse um cineasta iniciante, seu nome de jovem revelação já estava consagrado, principalmente pelas parcerias que estabeleceu na década anterior com Roberto Rossellini – nos roteiros de Roma: Cidade Aberta (1945) e Paisà (1946), tendo sido indicado ao Oscar por ambos. Ainda que Mulheres e Luzes tenha tido um retorno bem aquém do esperado – tanto de crítica quanto nas bilheterias – Fellini tinha condições suficientes na época para fazer algo mais próximo do ideal ao mesmo tempo crítico e lírico que buscava. E é interessante perceber que com Abismo de um Sonho ele dá o primeiro passo na construção do ideário memorialista que tanto investigou em clássicos como A Doce Vida (196), 8 ½ (1963) e, principalmente, Amarcord (1973). Ou seja, estamos aqui, literalmente, diante do começo de tudo.

O próprio Fellini foi, na sua adolescência, um jovem do interior que deixou a família para tentar a sorte num grande centro. Assim como seus protagonistas, seu destino foi Roma – não exatamente atrás do Papa, mas em busca de sua vocação. E um dos primeiros trabalhos que conseguiu foi como desenhista de periódicos diários. A paixão pelo formato das histórias em quadrinhos está no centro da ação de Abismo de um Sonho: o Sheik Branco do título original nada mais é do que um personagem de fotonovela. A paixão de Wanda, portanto, é por uma figura fictícia, pelo imaginário de uma realidade que não existe. Na primeira oportunidade que se vê sozinha, assim que o marido entra no banho no quarto de hotel recém alugado, ela o abandona e corre atrás do galã. Com sucesso o encontra, apenas para perceber que ele não é nada daquilo que imaginava. A volta para casa, a partir daí, não será tão simples quanto foi o processo inverso. Mas ela não é a única em peregrinação. Ivan, por sua vez, ao mesmo tempo em que tenta descobrir seu paradeiro, precisa inventar desculpas para a família que deseja vê-los, constrangido com a situação em que se encontra.

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Fellini não foi o único gênio envolvido em Abismo de um Sonho. A história original veio de um colega e amigo, o igualmente inesquecível Michelangelo Antonioni. O roteiro final, no entanto, foi escrito por Fellini em parceria com Tullio Pinelli e Ennio Flaiano (dois dos seus colaboradores mais frequentes, ambos indicados ao Oscar em mais de uma ocasião). A proximidade entre eles foi fundamental para criar personagens tão vivos e pulsantes. Como não ficar aflito ao lado de Ivan, tipo construído com precisão por Leopoldo Trieste? Ou sofrer a mesma desilusão sentida por Wanda (Brunella Bovo, no perfeito registro da ingenuidade). Talvez nada se compare à constrangedora decadência do Sheik (Alberto Sordi, em composição que transita entre o hilário, o perverso e o patético), que foi astro e hoje não consegue nem conquistar desavisadas com seu status já apagado. E no final, Fellini ainda reserva uma outra surpresa: a primeira aparição de Cabiria, a prostituta de bom coração interpretada por Giuletta Masina, como um mimo que antecipa o muito de bom que estava por vir. Ou seja, temos aqui a porta de entrada para um mundo de fantasias e encantos cruelmente reais, com tudo de bom e duro que o mestre ainda havia a dizer.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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