O Abrigo

Crítica

Vencedor de dois prêmios no Festival de Cannes do ano passado e ainda inédito no Brasil (com apenas uma rápida passagem pelo Festival do Rio de 2011), O Abrigo é um belo drama disfarçado de suspense. Ou seria um thriller de forte apelo dramático? A pergunta pode ser respondida – ou não – ao término da película, a segunda escrita e dirigida pelo promissor Jeff Nichols. Na trama, Curtis (Michael Shannon) vive um pai de família que começa a ter visões sobre uma terrível tempestade, afunda na paranoia e resolve se dedicar a um abrigo para proteger a mulher (Jessica Chastain) e a pequena filha muda. O terror é extremamente psicológico, lembrando a confusão mental da personagem de Mia Farrow em O Bebê de Rosemary (1968) ou mesmo de Jack Nicholson em O Iluminado (1980).

Shannon brilha na pele deste homem contido, que à medida que vai tendo mais pesadelos e visões, mais se fecha para a esposa, a filha e os amigos. Por conta destas supostas alucinações, ele pega um maquinário emprestado da empreiteira que trabalha, corta relações com o melhor amigo e colega de trabalho, perde o emprego e por pouco pode – ou não – ficar sem a família e a sanidade, que vai ficando por um fio à medida que o filme avança. Nem o cachorro da família, que o ataca em um de seus sonhos, é salvo e, depois de anos vivendo dentro de casa, é amarrado na rua.

A todo momento nos perguntamos se a esquizofrenia diagnosticada vai levar Curtis a fazer algo como matar a mulher, machucar a filha ou cometer suicídio, tamanho são os rompantes e as visões aterradoras que o personagem tem e como ele lida com elas. Não à toa o intérprete levou quatro estatuetas de melhor ator das doze aos quais foi indicado em premiações como o Festival de Toronto, dos críticos de San Diego e de Chicago, além de ter sido um dos finalistas do Independent Spirit Awards.

Porém, quem também se destaca é Chastain. Vista no Brasil nos últimos meses em ótimas (porém limitadas) participações em A Árvore da Vida (2011) e Histórias Cruzadas (2011), aqui ela tem mais chances de mostrar seu talento. E Jessica agarra com tanta força que sofremos de verdade com ela a dor de estar perdendo o marido.

A direção de Jeff Nichols e a fotografia de Adam Stone, ajudam ainda mais a potencializar o drama e a sensação de que algo ruim está para acontecer. Vemos sempre o rosto de Shannon em destaque, provando que cinema é, antes de tudo, imagem. As expressões (ou até mesmo a falta delas) em sua face nos dão pistas (mesmo que falsas) do que realmente está ocorrendo na mente do personagem, que fica ainda mais paranoico por saber que sua mãe também sofre do mesmo problema. Os efeitos especiais ajudam a dimensionar o pesadelo de Curtis com a tempestade de pássaros, o tornado levando tudo por onde passa e a chuva de óleo que cai sobre todos. O final em aberto pode provocar a sensação de que o espectador foi tapeado. Na verdade, ele apenas representa a tempestade que cada um guarda dentro de si. Um pequeno grande filme.

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Matheus Bonez

é crítico de cinema, apresentador do Espaço Público Cinema exibido nas TVAL-RS e TVE e membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista e especialista em Cinema Expandido pela PUCRS.

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