Sinopse
Enfrentando dificuldades para conseguir um emprego formal, o jovem Louis Bloom decide entrar no agitado submundo do jornalismo criminal independente de Los Angeles. A fórmula é correr atrás de crimes e acidentes chocantes, registrar tudo e vender a história para veículos interessados.
Crítica
O Abutre, longa de estreia do diretor Dan Gilroy, combina em sua trama dois elementos muito em voga no cinema norte-americano: seres desajustados e o fascínio pela mídia. É, no entanto, com uma produção argentina que ele estabelece um diálogo mais próximo: Abutres (2010), de Pablo Trapero. E a semelhança do título em português entre as duas produções não é por acaso: afinal, ambos tem como protagonistas personagens que levam suas vidas tirando ganhos a partir das desgraças dos outros. E se antes víamos Ricardo Darín como um corretor de seguros atrás de acidentes de trânsito para se aproveitar das vítimas desorientadas, dessa vez o foco está em um tipo ainda mais perturbado, que vive em constante contato com tragédias das mais diversas naturezas, porém sem se deixar em nenhum momento envolver por elas. Tipo que ganha uma dimensão ainda mais complexa graças à perfeita composição de Jake Gyllenhaal.
Louis Bloom (Gyllenhaal) é um cara que vive nas sombras – dos outros, de preferência. O que não faz dele, no entanto, um cara tapado – muito pelo contrário, está sempre pensando em como melhorar, seja lendo um livro atrás do outro, estudando o comportamento dos seus conhecidos ou navegando pela internet – mas não como passatempo, e, sim, atrás de informações muito precisas. Ladrão de pequenos golpes, há muito percebeu que essa vida não o levará a lugar algum, e portanto precisa pensar em algo diferente para fazer. Quando, ao voltar para casa tarde da noite, se depara com uma colisão entre dois carros, pessoas feridas, oficiais da polícia e socorro médico ao redor, será em um outro elemento que sua atenção irá se focar: num cinegrafista preocupado em registrar cada mínimo detalhe do episódio. Sua intenção? Revender as imagens ao noticiário noturno, sedento por catástrofes de última hora. Um reconhecimento que Louis pode fazer como poucos.
Sem muitos questionamentos, ele adota essa atividade como sua. Providencia uma câmara amadora, um rádio da polícia e decide passar suas noites atrás de chamados similares que possam render notícia. E como a sorte parece estar ao seu lado, logo se vê diante de cenas realmente assustadoras. Para ele não há medo ou desespero. Tudo é analisado com distanciamento e controle. Da mesma forma como irá se apresentar para a jornalista Nina (Rene Russo), editora de um telejornal em busca de uma melhora na sua audiência. Os dois logo chegam a um acerto, e quando menos se espera ele não só fica responsável pelas principais manchetes de cada noite – uma fama às avessas que vai lhe inebriando aos poucos – como, com a ajuda de um auxiliar, vai gradualmente aumentando suas ambições. Afinal, num mundo como esse, o vale tudo está mais do que liberado.
Assim como a trama de O Abutre estimula reflexões a respeito das decisões de seus personagens, talvez a parte mais interessante do seu conjunto sejam as precisas interpretações do elenco. Riz Ahmed, como o braço direito inexperiente e que aos poucos vai se contaminando por aquela rotina, oferece um frescor estimulante. Da mesma forma como Bill Paxton se apresenta como um oponente à altura, nunca ameaçador, mas dono de uma experiência que só o tempo pode proporcionar. Poucos, no entanto, surpreendem tanto quanto Russo, que assume sua idade com elegância e desenvoltura aproveitando-se do máximo do seu talento, como uma leoa ferida que fará uso de todas as suas forças para defender o que conquistou. Mas será a imagem de Gyllenhaal que ficará marcada na memória do espectador, neste que é um dos seus melhores desempenhos. O olhar frio que beira o psicótico, cada ato milimetricamente calculado, a consciência de suas limitações e seu constante esforço para ampliar suas capacidades formam um conjunto capaz de impressionar qualquer um.
O Abutre, no entanto, está longe de ser um filme fácil. Gilroy, também autor do enredo, deixa de lado as reviravoltas mirabolantes que tão bem empregou nos roteiros de títulos como O Legado Bourne (2012) e Gigantes de Aço (2011) para se concentrar em um impressionante estudo de personagens, em que o que eles são e como se relacionam é ainda mais importante do que suas atitudes e reações – por mais chocantes que essas sejam, e de fato são! A ausência de moral e a obstinação violenta que cega até o mais racional dos envolvidos desperta questionamentos profundos, nunca ignorados, porém abordados de uma maneira longe da convencional. A conclusão, tão amarga quanto necessária, se revela como o único caminho possível para seres como esses aqui apresentados. Triste? Talvez. Duro? Com certeza. Mas antes de mais nada, verdadeiro, e de uma maneira como Hollywood poucas vezes conheceu.
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