Crítica
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Sinopse
Ian e Samantha chegam a um acampamento isolado e encontram um carro e uma tenda sem nenhum sinal dos ocupantes. A descoberta de uma criança angustiada vagando na floresta desencadeia terríveis eventos que irão testar o ponto de ruptura do jovem casal.
Crítica
Sam (Harriet Dyer) e Ian (Ian Meadows) formam um casal apaixonado que resolve celebrar a noite de ano novo acampando às margens de um riacho, nas florestas do interior da Austrália, onde Ian costumava passar suas férias na infância. Chegando ao local, eles se deparam com um carro vazio e uma barraca já montada, contudo, mesmo lamentando não estarem sozinhos, decidem permanecer no acampamento. Após um dia sem qualquer sinal dos campistas vizinhos, Sam e Ian acabam encontrando uma criança, o pequeno Ollie, que vagava ferido pela mata e, ao socorrê-lo, se vêem presos numa espiral de terríveis acontecimentos. Primeiro longa do diretor Damien Power, O Acampamento filia-se a uma vertente tradicional do cinema de gênero australiano, que remonta ao seminal Pelos Caminhos do Inferno (1971), de Ted Kotcheff, e se estende a exemplares contemporâneos, como Wolf Creek: Viagem ao Inferno (2005), Aviso de Tempestade (2007) e Medo Profundo (2007).
Todas essas obras se configuram como thrillers de sobrevivência nos quais os componentes intrusos, os forasteiros, são desafiados pelas forças naturais, enfrentando também outros perigos, por vezes de ordem fantástica, mas, em sua maioria, ligados à própria natureza humana. Dentro desse panorama iconográfico, o trabalho de Power dialoga diretamente com outro título clássico do chamado ozploitation, Um Longo Fim de Semana (1978) – especialmente pelo ponto de partida similar dos enredos – exibindo segurança para reproduzir seus arquétipos. O bom domínio do cineasta sobre as regras do subgênero ficam evidentes desde os créditos iniciais, que estabelecem as belas paisagens de seu país como força dominante. Tal consciência formal também se nota na encenação econômica, porém extremamente eficiente, que sustenta uma busca pela diferenciação através da fragmentação narrativa.
Power divide o longa em três núcleos dramáticos, acompanhando-os em esferas temporais, a princípio, indefinidas: os protagonistas, Sam e Ian, a família de Ollie – formada pelos pais Margaret (Maya Stange) e Rob (Julian Garner), e pela irmã adolescente Em (Tiarnie Coupland) – e a dupla de delinquentes locais German (Aaron Pedersen) e Chook (Aaron Glenane). Se valendo de elementos mínimos, como as fotos no celular carregado por Chook, Power ordena, gradativamente, as peças do quebra-cabeça de fatos por ele criado, numa estratégia que justifica seu propósito. Pois, mesmo que a convergência das tramas paralelas não resulte em algo totalmente inesperado, ao menos serve para manter a tensão e certo mistério sobre o desenrolar dos eventos, confirmando muitas suposições, mas também reservando algumas surpresas. Evitando tornar a narrativa demasiadamente confusa, ou iludir o espectador de modo desleal, o trabalho da montadora Katie Flaxman é fundamental para a obtenção dessa qualidade instigante.
Todo o primeiro ato, e boa parte do segundo, se atêm ao aspecto mais psicológico do suspense, através da sugestão e de ameaças falsas, como os javalis que surgem no acampamento apenas em busca de comida. É somente no ato final, quando a história assume total linearidade, que Power passa ao confronto físico, em que a violência, antes fruto de rompantes esporádicos, é elevada drasticamente. Nesse ponto, o longa envereda pelo terreno do torture porn, caindo num sadismo exagerado que, devido ao prolongamento desnecessário, perde boa parte de seu potencial impacto em busca do choque gratuito. Tal fraqueza, contudo, não apaga por completo os méritos do que fora construído até então por Power que, sem virtuosismos ególatras, demonstra habilidade para compor planos belos e precisos, como o travelling que mostra Ollie caminhando atrás de Sam, sem que ela perceba sua presença.
O cineasta também consegue jogar com a percepção do público, pois se, por um lado, estabelece vilões que não oferecem qualquer possibilidade de empatia, simbolizando um mal puro, desumano, por outro, sustenta a dubiedade em relação ao caráter de figuras pontuais, como a do chefe de polícia, em sua participação nos últimos minutos de projeção. Ainda que não ultrapasse muito a superfície no desenvolvimento de personagens, preso às limitações típicas do gênero, Power encontra espaço para subverter algumas convenções, e expectativas, no que diz respeito à dinâmica do casal principal, com Ian, o médico letrado e benevolente, exibindo uma postura bem menos heróica que o imaginado, cabendo a Sam assumir o controle efetivo das ações, algo que ocorre de modo natural, sem que a personagem seja submetida a uma transformação inverossímil.
É no conflito íntimo de Sam e Ian que O Acampamento encontra sua singularidade, trazendo um derradeiro plot twist que não apenas ameniza a previsibilidade da resolução da luta contra os vilões, como também gera uma ruptura aguda na relação do casal. O fato ocorrido estremece a confiança e altera a visão da mulher sobre seu noivo, algo que se revela, para ela, quase tão aterrorizante quanto os perigos enfrentados anteriormente. Esse abalo é evidenciado por Power na ambiguidade emotiva do desfecho, uma troca de olhares que, embora silenciosa, deixa transparecer suas diversas possibilidades de significados, todas elas afastando os personagens do final feliz habitual e impossibilitando a retomada da harmonia em sua coexistência. Entre as várias vítimas de carne e osso deixadas pelo caminho do longa, a última se mostra simbólica: o amor dilacerado pela culpa.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
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Leonardo Ribeiro | 6 |
Yuri Correa | 7 |
MÉDIA | 6.5 |
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