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Sinopse

Sylvia é uma mulher que trabalha na loja de discos do pai, no bairro do Harlem, na Nova Iorque, entre os anos 1950 e 1960. Ela logo se apaixona por um jovem aspirante a saxofonista.

Crítica

Ainda na primeira meia-hora de O Amor de Sylvie, a personagem-título, interpretada por Tessa Thompson, vai a um show de jazz a convite do seu colega de trabalho, Robert (Nnamdi Asomugha), que está se apresentando naquela noite. Ao chegar, acompanhada pela prima, ela se senta e começa a ouvi-lo tocar. Nada é dito pelos próximos 30 ou 40 segundos. O espectador, no entanto, não é convidado a desfrutar da mesma experiência da protagonista – pelo contrário, a câmera se ocupa apenas em observá-la. E sem dizer nada, permanecendo praticamente imóvel, apenas com a intensidade do olhar e as leves marcas de expressão do rosto, uma verdade se torna evidente: Sylvie encontrou o seu amor. É justamente nessa sutileza, a despeito de qualquer facilidade que volta e meia o roteiro se aproveita, que o longa escrito e dirigido por Eugene Ashe (Homecoming, 2012) revela seu maior valor.

Aliás, é até um tanto injusto considerar Sylvie a única condutora dessa história, a despeito do título: Robert tem quase a mesma importância, se não maior, do que ela. Ele é um músico em começo de carreira, parte de um quarteto de jazz, que ao cruzar os olhos com os da garota no balcão da loja de discos, decide pedir emprego no local apenas para poder ficar próximo dela. Ele acaba contratado pelo pai dela, que manda a filha para casa para se preparar para o noivado próximo. Eis aí a primeira dificuldade: ela já está comprometida com outro. Porém, como esse está ausente, os dois acabam se envolvendo – ela gosta de música, ele é ótimo no que faz – e o segundo ponto de virada surge com a descoberta de uma gravidez inesperada, ao mesmo tempo em que ele é convidado para uma turnê em Paris. Importante destacar que ambos estão na Nova Iorque do final dos anos 1950, quando viagens para o outro lado do Atlântico não eram tão comuns, e uma simples confusão de horários poderia significar um afastamento por toda uma vida.

Acontece que ela, apesar de convidada, decide não o acompanhar – sem lhe revelar o verdadeiro motivo, no entanto. Cinco anos se passam, e chega-se ao ponto no qual o filme começa: Sylvie sozinha, em frente a uma casa de espetáculos, acaba se deparando por acaso com... Robert. É o reencontro que acende uma paixão de anos atrás, mas que segue viva em ambos. No entanto, agora os dois são pessoas diferentes. Ela está casada com um homem que a aceitou em sua condição e que cria a filha dela como se fosse sua. O casal é feliz, assim como a menina. Nada parece lhes faltar, a não ser a chama de uma novidade inquietante e provocadora. Justamente o que ela percebe se acender dentro de si quando o antigo namorado ressurge em sua vida. Ashe não está preocupado em fazer da sua trama uma série de rompantes inesperados ou reviravoltas baseadas apenas no instinto. Pelo contrário, o que se vê são pequenos toques, cuidados delicados e entendimentos que vão além de discursos empolados e decisões tomadas sem muita reflexão.

Apesar de se passar entre os anos 1950 e 1960, O Amor de Sylvie cria uma visão um tanto idealizada desta realidade. E não só pelo fato de quase todos os personagens serem negros ou latinos – como as participações pontuais, mas marcantes, de Eva Longoria – mas também pelo status que esses alcançam nessa sociedade. Sabe-se que tais posições eram exceções, e não a praxe encontrada mais de cinco décadas atrás. No entanto, a forma como tais mudanças são inseridas, seja pela citação de um ou outro nome de sucesso no mercado musical, ou, principalmente, pelo avanço profissional alcançado pela própria Sylvie, agora uma produtora de televisão muito bem colocada, são suficientes para demarcarem essas mudanças. Afinal, o sucesso que cada um atinge em sua área também será um fator determinante para pontuar a união ou o afastamento definitivo dos dois.

Se Nnamdi Asomugha é uma revelação – ele, ao menos até então, era mais conhecido como produtor de filmes como Harriet (2019) e O Banqueiro (2020), ambos com forte discurso a favor da igualdade racial – é Tessa Thompson que conquista a audiência com uma composição suave, sem excessos, mas forte o suficiente para deixar clara as suas intenções. Distante da guerreira Valkyrie do Universo Cinematográfico Marvel ou da determinada Bianca de Creed: Nascido para Lutar (2015), ela assim consegue registrar na tela suas inseguranças e decepções, tornando-a mais vulnerável, e assim, próxima do espectador. É uma mulher que sofre por amor, mas também nele se regozija quando o sente pleno e próximo de si. A despeito de alguns desencontros tolos e alguns mal-entendidos que se estendem além da conta apenas para efeitos dramáticos, é no encanto palpável percebido entre esses dois que O Amor de Sylvie vai além do comum, provando como a sutileza e a intuição podem ser mais eficientes em alterar os destinos do que grandes discursos e tomadas de ação impensadas.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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