Crítica
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Sinopse
Após a morte de seu pai adotivo, Eva Vogler é surpreendia ao receber um relicário misterioso em meio à tensão familiar envolvendo a divisão da enorme herança do falecido. Ao revelar o conteúdo da pequena caixa, Eva depara-se com objetos incomuns que remetem às suas origens.
Crítica
Embora isto nem sempre seja destacado como deveria, para alguns historiadores o Brasil foi o país com mais adeptos dos ideais nazistas fora da Alemanha. Estima-se que quase 3000 pessoas se filiaram ao Partido Nazista no Brasil, designação da seção tupiniquim do partido original fascista. No entanto, a julgar pelo modo como muita gente minimiza a violência dos períodos nefastos de nossa História, por aqui impera a lei do “vamos seguir em frente, para que pensar no passado?”. Em chave ficcional, O Anel de Eva reabre a ferida que deveria estar mais exposta a fim de que não tivéssemos outros regimes embrionários ganhando força sazonalmente. Nele, Eva (Suzana Pires) é a filha adotiva de uma família de fazendeiros interioranos. Situada no centro de uma tensão depois da morte do pai rico, principalmente com o irmão raivoso que não admite as vontades do falecido, ela vai escalando rumo ao próprio passado obscuro depois de provocada a respeito de uma inexistência oficial. Seus documentos de identidade não constam em lugar nenhum, então ela parte em busca das origens. Primeiro ponto: é difícil acreditar na ideia de que uma mulher entre 40 e 50 anos tenha vivido até ali sem qualquer registro. Tanto que, adiante, o próprio filme contradiz essa situação ao mostrar Eva seguindo as pegadas de documentos que a ajudam a rastrear a sua origem. Como esse, são vários os contrassensos que enfraquecem tudo.
Portanto, O Anel de Eva parte de uma premissa muito interessante ao colocar a mulher ignorante quanto às suas raízes num processo de desvendar não apenas a própria história, como também a narrativa vergonhosa da existência de células nazistas operantes em sua região. No entanto, desde o começo ficam evidentes as falhas estruturais, tanto no conceito quanto na execução da produção. O roteiro assinado por Pedro Reinato e Eduardo Ribeiro impõe uma correria desenfreada que não dá tempo para as coisas se consolidarem, fazendo com que o filme fique excessivamente fragmentado e sem consistência. Numa cena Eva está angustiada por conta da falta de informações sobre si mesma, na outra imediatamente posterior resolve problemas de outra ordem sem conexão direta. E a assim segue sucessivamente. Desse modo, a investigação do passado nazista da localidade disputa atenção com as descobertas pessoais da protagonista, não se juntando a elas para formar algo coeso. Suzana Pires se esforça para conferir verdade a essa personagem em missão para revelar informações nem sempre convenientes, mas tem pouco o que fazer diante da ausência de espaço para o desenvolvimento das nuances emocionais e psicológicas. O mesmo se aplica aos coadjuvantes, como Isabella (Lis Luciddi), a sobrinha homossexual cujo drama de não aceitação paterna acaba se transformando em nota de rodapé.
No que diz respeito à execução, a direção do estreante Duflair Barradas é responsável por uma sensação de artificialidade, sobretudo nas interações humanas e, por conseguinte, na fragilidade dos discursos presentes no filme. As cenas são encenadas de modo desajeitado, com ausência de ajustes básicos, tais como a elaboração dos diálogos para que não pareçam justamente falas decoradas para serem ditas depois de determinadas deixas. Desde a cena inicial, a da briga entre irmãos, logo depois da cerimônia de sepultamento do pai, prevalece essa dureza da mise en scène, com o elenco empostando artificialmente os diálogos e as marcas visíveis exatamente pela falta de afinação diretiva. Assim, em vários momentos, o que os personagens dizem não é validado dramaticamente porque as falas são escancaradamente frases prontas, ditas muitas vezes na hora em que o colega de contracena dá a deixa. Isso torna evidente um esquema repetido até tornar a experiência cansativa. Aliado a isso, a excessiva fragmentação da narrativa pode ser colocada na conta da utilização inábil de elipses (pequenas supressões de conteúdo em prol da abrangência temporal) a fim de contar muitas coisas numa metragem relativamente curta (um pouco menos de uma hora e meia). O Anel de Eva levanta questões de suma importância, mas faz isso com dificuldade, aos trancos e barrancos e sem espessura dramática.
Depondo contra o resultado há também as conveniências, como a presença providencial no lugarejo interiorano de uma especialista em Terceiro Reich. E essa coincidência despropositada poderia ser facilmente anulada se Duflair Barradas abrisse um pouco a lente para contextualizar o local como berço reconhecido do nazismo tropical, ou seja, fonte natural de interesse para pesquisadores. Novamente, faltam pequenos ajustes finos para essa e outras incongruências serem anuladas em função da coerência. Odilon Wagner, uma espécie de porto seguro dos diretores de elenco quando existe a demanda de um personagem germânico, interpreta o antagonista estereotipado que transita pelas sombras e exala hostilidade. Em dado momento, tudo o que lhe resta é recorrer ao famigerado monólogo do vilão, aquele instante em que o sujeito contrário à mocinha vomita todos os seus planos, motivações e o que mais os roteiristas não conseguirem transmitir ao espectador de maneira menos verbal. Sem dar relevo à jornada pessoal de Eva, a partir dela iluminando de modo desajeitado uma obscuridade de nossa história relativamente recente, o realizador tampouco confere importância à subtrama da sobrinha LGBTQAPNI+ em rota de colisão com o pai conservador (por dedução, não por desenvolvimento do filme, um subproduto da mentalidade local). Porém, o que mais parece contraditório é o movimento derradeiro de Eva: destruir as provas cabais da barbárie. O filme não tentava falar de trazer à tona o incógnito e indesejado? Nem a dor do passado vergonhoso explica esse clímax.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Marcelo Müller | 3 |
Robledo Milani | 4 |
Alysson Oliveira | 3 |
MÉDIA | 3.3 |
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