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Sinopse

Crítica

Baseado em uma história real, O Anjo é o candidato oficial da Argentina para disputar uma vaga na categoria de Melhor Filme Estrangeiro do Oscar 2019. É pouco provável que consiga o mesmo feito de outros títulos do país, como A História Oficial (1985) e O Segredo do Seus Olhos (2009) – os dois únicos a serem premiados, das sete indicações que conta até o momento – mas mais pela forma como a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood funciona e do que pelos méritos próprios do longa escrito e dirigido por Luis Ortega. Afinal, o realizador se debruça sobre um caso absolutamente intrigante, e o leva às telas com comprometimento e dedicação, um envolvimento que se percebe desde a condução do elenco até a recriação de época, passando por diálogos afiados e um texto que está sempre à beira do exagero, sem nunca, no entanto, ultrapassar estes limites.

Cineasta relativamente novo, com menos de 40 anos de idade, Ortega era mais conhecido até então por ter sido responsável pela minissérie Historia de um Clan (2015), que posteriormente foi adaptada para o cinema no premiado O Clã (2015). Este trabalho anterior guardava algumas características que se repetiriam em O Anjo. Pra começar, ambos abordam episódios criminais que abalaram a sociedade argentina. Os dois, da mesma forma, são protagonizados por jovens envolvidos por uma criação familiar bastante distante dos moldes mais tradicionais. Por fim, há proximidades ainda no elenco, como as presenças de Chino Darín (o sobrenome não é por acaso – trata-se do filho de Ricardo Darín), novamente como um dos personagens principais, e a grande Cecília Roth, como a mãe do protagonista. Este, porém, é entregue nas mãos do novato Lorenzo Ferro, que parece ter sido escolhido tanto pelo físico quanto pelo talento. O garoto é hipnótico, tal qual o tipo que defende, assim como consegue encarnar uma miríade de possibilidades em uma figura tão complexa quanto atraente.

Ferro dá vida a Carlitos, filho único e mimado de Aurora (Roth) e Héctor (Luis Gnecco, de Neruda, 2016). Os dois se matam – no trabalho ou em casa – para oferecerem de tudo ao garoto, mas, ainda assim, formam uma família humilde e aquém das ambições do rapaz. Além disso, sua beleza e charme desde pequeno lhe abriram portas, muitas que acabaram o conduzindo além dos limites que conhecia. Essa, digamos, facilidade, o levou a descobrir seu verdadeiro talento: a arte do roubo. Não grandes golpes, empreitadas sofisticadas ou artimanhas elaboradas. Essas ficariam para depois. O que ele sabe é ser gatuno, furtar pequenas coisas para saciar desejos imediatos. Invade casas, vive instantes de fartura e invariavelmente leva consigo uma ou outra lembrança destas passagens. Esse cenário um tanto inconsequente, porém ainda assim quase inofensivo, muda radicalmente a partir do contato que estabelece com Ramón (Darín), que frequenta a mesma escola que ele, porém se mostra mais experiente, tanto na vida como nessas práticas ‘especiais’, por assim dizer.

É quando um novo mundo se abre diante do jovem. Levado para o convívio caseiro do novo amigo, ele tanto se encanta pela personalidade dominante deste – Chino deixa de lado o viés introspectivo visto em títulos como O Silêncio do Céu (2016) ou Uma Noite de 12 Anos (2018) para se revelar um galanteador de mão cheia – ao mesmo tempo em que não consegue se desvencilhar da forte atração que os pais do colega também exercem sobre ele: Ana Maria (Mercedes Morán, com uma decadência sedutora na medida certa), que mistura desejo com maternidade de modo assustador, e José (Daniel Fanego, de Eva Não Dorme, 2015), o cérebro que irá introduzi-lo em contravenções mais ambiciosas, indo do mestre ao lado de um pupilo em formação para logo se ver superado por aquele que imaginava ter sob controle. A dinâmica que se estabelece entre os quatro, digna das melhores peças de Shakespeare, é um dos grandes méritos do filme.

Falta, no entanto, coragem à Ortega para ir além dos contornos que desenha, aprofundando-se em quadros que ficam apenas no campo da sugestão. A conexão estabelecida entre Carlitos e Ramón vislumbra em mais de um momento a atração homoerótica, mas o realizador parece satisfeito em apenas atiçar tal curiosidade, usando seus atores como uma ponta de lança, cutucando o fetiche, sem nunca encará-lo de frente. Tanto Ferro, o mais desinibido – abraçando sem ressalvas seu personagem – quanto Chino, defendendo um tipo igualmente complexo, estão excelentes. E não há poréns no que diz respeito aos coadjuvantes – a cena em que as mães se encontram, ainda que curta, é pura excelência proporcionada pelo embate entre Roth e Morán. A questão, se é que existe, está mesmo no roteiro, que aponta para muitos lados, sem demonstrar ânimo para se firmar a nenhum deles em particular. Pedro Almodóvar – que assina a produção – faria milagres com algo assim em mãos. Pena ter se mantido distante. Afinal, basta ver o inúmeros exemplos em sua carreira para que fique claro o quão diferente tudo poderia ter sido. O caso, como se percebe, não é da vida imitando a arte – é, pelo contrário, da ficção indo no sentido oposto da realidade.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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