Crítica
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Sinopse
Todd descobre que seu aparentemente pacato vizinho teve envolvimento com o nazismo durante a Segunda Guerra Mundial. Para não denunciá-lo, exige ouvir relatos a respeito das experiências no campo de concentração.
Crítica
Como se poderia esperar de uma adaptação de Stephen King, O Aprendiz (1998) é um filme de horror. No entanto, este segundo longa-metragem dirigido por Bryan Singer – o primeiro, Os Suspeitos (1995), venceu dois Oscars e transformou Singer numa das grandes promessas do cinema norte-americano dos anos 90 – não traz fantasmas ou monstros literais assombrando seu protagonista, o jovem Todd Bowden (Brad Renfro). Ou melhor, monstros até há, mas eles são de outra natureza.
A narrativa de O Aprendiz traz Todd, estudante de uma high school na Califórnia, em meados da década de 1980, iniciando uma convivência com seu vizinho já idoso, um imigrante alemão chamado Kurt Dussander (Ian McKellen). Todd, na verdade, desconfia que Kurt é um ex-oficial nazista, criminoso de guerra que vive disfarçado nos Estados Unidos, acusação, claro, inicialmente refutada pelo vizinho. Ao, no entanto, se ver forçado a confirmar as suspeitas do jovem, o alemão passa a exercer sobre ele uma perigosa influência, com potencial para afetar toda a forma como Todd enxerga o mundo e se relaciona com as pessoas ao seu redor.
Trata-se, portanto, de um filme de monstros, ainda que humanos. Ou de um filme sobre a porção monstruosa que habita em cada homem. No nazista, tal porção emergiu e se desenvolveu no contexto do domínio de Hitler na Alemanha, mas, finda a guerra, ele teve que recalcá-la, abraçando o personagem do vizinho recluso e fragilizado pela idade. Em Todd, ela está ainda latente, esperando ser descoberta para vir à tona. A relação entre essas duas figuras permite tanto o despertar do nazista adormecido em Dussander – a cena em que ele, forçado pelo jovem, marcha com uma farda da SS dentro de casa é muito assustadora nesse sentido, além de reveladora do talento imenso de McKellen, que leva o personagem do constrangimento inicial (é, aliás, totalmente compreensível que o espectador sinta pena dele até esse momento, já que torturado psicologicamente por um adolescente impertinente) a um prazer sádico nascido da reconexão com seu passado –, quanto as primeiras manifestações de um fascismo monstruoso em Todd – o grande momento do personagem nesse sentido é aquele em que ele confronta o personagem do professor (David Schwimmer).
O Aprendiz se inscreve, portanto, num longo histórico de filmes sobre o Holocausto e/ou a origem e a natureza do nazismo. Nesse último aspecto, aliás, mais do que um olhar rigorosamente histórico e que compreenda, por exemplo, noções como a de banalidade do mal – desenvolvida pela filósofa Hannah Arendt nos anos 60, para descrever o comportamento de homens que faziam parte da máquina de extermínio nazista sem propriamente sentirem prazer com seus atos nela, considerando-os mero exercício burocrático de um ofício –, é comum que o cinema prefira caminhos mais psicologizantes ou moralizantes para a questão, pensando tal ideologia simplesmente como algo demoníaco, naturalmente maléfico, e não construída e enraizada socialmente. O Aprendiz é um desses casos, em que o nazismo, como comentado, atua como uma força adormecida no protagonista, esperando para ser acordada. Felizmente, o filme de Singer é ao menos muito eficiente na realização de sua proposta.
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