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Sinopse
Crítica
“Nunca tinha ouvido tanto silêncio”
A frase, dita em determinado momento pelo mais improvável dos personagens, dá o tom percorrido do início ao fim da trama por Johan Renck em O Astronauta, seu segundo longa-metragem como realizador. O filme, anunciado como a volta de Adam Sandler ao drama – gênero que tem revisitado com cada vez maior frequência nos últimos anos – é feito sob medida para propor uma certa versatilidade ao ator, tendo faltado apenas uma combinação com o próprio. Afinal, tudo é tão pretensioso e asséptico que a tarefa de se importar com o que se passa em cena, seja no espaço ou na Terra, se mostra o maior dos desafios, ainda maior do aqueles vivenciados pelos que deveriam conduzir a história, mas que conseguem apenas se dividir entre lamentações e decisões tão absurdas, quanto inesperadas. Todo mundo tem do que reclamar, sem que a fonte de tamanho incômodo justifique tanta lamúria. Também atordoado deverá ficar o espectador, frente a uma experiência anestesiante e entorpecente, que falha tanto no discurso filosófico quanto na aventura despreocupada.
Renck estreou como cineasta com o suspense romântico Distúrbios do Prazer (2008), sobre uma mulher infeliz no casamento que contrata pela internet um assassino profissional para matá-la mas que, ao conhecê-lo, acaba por se apaixonando. A premissa, como se percebe, é tão absurda, quanto sem sentido. Mas esse elemento, da solidão que leva a atitudes impensadas, é resgatado em O Astronauta. Isso que, entre os dois filmes e os quinze anos que os separam, o diretor se ocupou basicamente de videoclipes (para gente como Madonna, Kylie Minogue, David Bowie e Robbie Williams) e seriados (como a minissérie Chernobyl, 2019, que lhe rendeu dois Emmys). Era de se imaginar que essa experiência acumulada fosse lhe oferecer uma nova abordagem, talvez mais pop e entusiasmada, mas o que se destaca num primeiro momento é ambição de fazer deste exercício algo mais profundo do que, de fato, é. Jakub (Sandler) está no espaço, em uma viagem que levará um ano inteiro para ser completada. Enquanto isso, sua esposa, Lenka (Carey Mulligan), ficou em casa, grávida e cansada de esperar. Ele sofre lá em cima, ela está frustrada aqui embaixo. E no meio, entre os dois, está uma aranha.
Sim, eis a carta que Renck tira da manga numa tentativa desesperada de fazer do conjunto que reúne algo além da mera prática egóica. Ao invés de imergir na fantasia que seu cenário propõe, parte para um encontro feito da mesma matéria dos sonhos, enquanto busca explicações que porventura consigam oferecer alguma lógica àquilo que não necessita de tal consistência, pois uma vez certo da sua inviabilidade, o limite inexiste. Porém, ao invés de explorar tais possibilidades, o que permitiria um mergulho lisérgico disposto a expandir as fronteiras entre o real e o imaginado, o que se verifica é uma busca pelo caminho inverso, elencando razões que não se sustentam e priorizando peculiaridades que servem apenas para aumentar o despreparo do todo (quem estaria interessado em uma aracnídeo peludo fã de creme de avelã?). Pois é Hanus (voz monocórdica de Paul Dano) que surge não apenas para servir de ouvinte dos traumas e receios do protagonista – explicitando-os, visto que uma interpretação mais sutil não se faz presente – como também para apontar os caminhos que esse tem pela frente (como se incapaz fosse de fazer suas escolhas). Uma muleta, como se constata.
Há mais ligações entre O Astronauta e O Homem Duplicado (2013), além da presença invariavelmente luminosa de Isabella Rossellini. No entanto, se na perturbadora visão de Denis Villeneuve a partir do livro de José Saramago a aranha respondia pela angústia de um indivíduo em transformação, escondendo em si – e trazendo à tona quando válido – os conflitos e inquietações desse ser pronto para o confronto, dessa vez se manifesta apenas para acentuar o caráter melodramático de duas figuras (a que partiu e a que ficou) cuja solução de seus problemas é, de fato, mais simples (e simplória) do que as mesmas gostariam de acreditar. Sandler, mesmo nos seus papéis mais arriscados, nunca ousou ir tão longe de sua zona de conforto – a comédia – variando do viés romântico ao caos programado, almejando, de uma forma ou de outra, a complacência do público, seja pela emoção, ou mesmo por uma empatia condoída. Aqui, no entanto, ele abre mão destas redes de segurança, mostrando-se como nunca antes em sua carreira aberto à depressão e ao esquecimento. Mulligan, sua parceira de elenco, está habituada a este tipo de recorte – não por acaso, o mínimo que demonstra em seu desenho nesse sentido se mostra mais convincente do que o desespero dele em alcançar as mesmas notas, mas sem efeito.
Sem o dinamismo de Gravidade (2013) ou a profundidade de Ad Astra (2019) – apenas para citar dois títulos com quais esse busca diálogo, em tentativas frustradas – O Astronauta ressalta por meio de um texto circular e indulgente com seus deslizes uma nítida ausência de originalidade em sua apropriação de um tema que tanto já ofereceu à ficção científica enquanto objeto de estudo e reflexão, esvaindo-se em obviedades vazias e constatações nulas. Merece ser reconhecido o esforço de Adam Sandler em assumir tal risco, da mesma forma como não se pode ser condescendente frente a um discurso tão vago e impreciso, incapaz de assumir suas críticas (o passado político da família inviabilizado por uma tragédia pessoal, a pressão das mulheres como forma de justificar o esgotamento deste homem) ou de ofertar leituras que pudessem partir do conjunto reunido para se elaborar a partir de outros (e mais ricos) conceitos. Desperdiçando talentos e oportunidades, o que alcança é um retrato tedioso de algo desesperado por atenção, sem nada a oferecer em troca. A ausência do que dizer, de fato, pode ser ensurdecedora.
Filme visto durante o 74o Festival Internacional de Cinema de Berlim, na Alemanha, em fevereiro de 2024
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Robledo Milani | 4 |
Carlos Helí de Almeida | 5 |
Celso Sabadin | 5 |
Alysson Oliveira | 3 |
Francisco Carbone | 6 |
MÉDIA | 4.6 |
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