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Crítica


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Sinopse

Um chefão do narcotráfico colombiano contrata um sniper para matar seu inimigos. Sem concorrência, ele se fortalece como controlador das rotas de contrabando para os Estados Unidos. Para combatê-lo oficialmente, são enviados à Colômbia uma agente promissora e um experiente atirador de elite.

Crítica

Numa cidade marcada pela criminalidade, a polícia não possui recursos suficientes para enfrentar os traficantes de drogas que matam civis e corrompem as famílias. Digamos que se trate de Bogotá, na Colômbia, e que os adversários em questão sejam membros de um cartel poderoso. Vamos dar ao líder um nome genérico, Jesús Morales, e ao seu principal atirador, um apelido assustador como El Diablo. Para ajudar a cidade pobre e caótica, convoca-se o melhor atirador norte-americano, um sujeito belo e incorruptível, que vai lutar ao lado dos bons até eliminar o cartel e garantir a paz nas ruas de Bogotá. “Eu digo a mim mesmo que estou do lado certo da luta. Eu faço o meu melhor, eu salvo vidas, eu continuo lutando”, ele explica. No caminho, talvez o mocinho encontre uma bela mocinha, cheia de garra e competência, porém desesperada pela ajuda do americano na hora de perigo. Talvez algum padre apareça para dar a bênção ao atirador em sua luta; talvez algum agente da equipe esteja jogando do lado dos bandidos.

Se você tiver a impressão de já ter visto este filme antes, deve ser porque de fato já o viu. O Atirador: O Extermínio Final (2017) corresponde à sétima entrada de uma franquia de popularidade modesta, ancorada no pressuposto amplo de atiradores profissionais combatendo bandidos em países exóticos. A produção se vende como a “última morte”, segundo o título original, porém qualquer cinéfilo com a mínima experiência em cinema industrial sabe como estas sagas funcionam: enquanto houver interesse do público e retorno financeiro positivo, novos filmes serão criados pelos produtores. Julgando pela popularidade na Netflix, a trama talvez continue. De qualquer modo, o filme resgata uma ideia de cinema masculino à moda antiga, algo que talvez chamasse menos atenção durante o lançamento de Sniper, o Atirador em 1993. Esclarece-se desde os minutos iniciais,quem são os heróis e os vilões, aqueles que devem viver e aqueles que precisam morrer. O herói corresponde ao homem determinado, forte e honesto, brigando contra seus superiores teimosos para fazer a coisa certa. Há explosões, tiros, perseguições de moto, corridas de carro, ameaças, mais explosões.

Os mocinhos são norte-americanos, geralmente “ajudando” a América Latina ou Oriente Médio, partes do mundo que não necessariamente se lembram com bons olhos da “intervenção” estadunidense em nossos países no século passado. Entretanto, este cinema ideológico serve para reescrever a História de modo a sublinhar o altruísmo ianque diante da precariedade dos demais países, desesperados pelo poderio bélico do norte do globo na intenção de estabelecer a paz. Estas produções, assim como aquelas estreladas por Bruce Willis, Chuck Norris, Steven Seagal, Sylvester Stallone, Dolph Lundgren e tantas outras, reforçam um ideal de virilidade ligado à impulsividade, à arma como extensão do corpo, ao “direito” de ter uma mulher, uma propriedade e um território. Não por acaso, rumo ao final, os atiradores de elite inimigos aparecem com bazucas cada vez maiores, e armas mais longas, mais potentes, que atiram mais longe e com maior precisão. Qualquer semelhança com uma competição entre garotos comparando o tamanho do pênis não será mera coincidência.

Certo dia, um fã perguntou a Bruce Willis se ele ainda se emocionava com as explosões em sets de filmagem. O astro respondeu que não: a repetição tornava todas as explosões iguais, provocando certa anestesia. Certamente, o interlocutor esperava alguma fala diferente, mas o ator contribuiu a ressaltar o aspecto catártico deste cinema, onde tudo precisa ser exteriorizado, impulsivo, posto em prática. O cinema de ação se traduz linguagem de verbos, avessa à reflexão ou ao distanciamento. Ele busca sensações, como o medo, a excitação (sexual, inclusive), a raiva, o alívio. Por isso, convenções que talvez soem absurdas dentro de um contexto realista são aceitas neste universo de faz de conta. As frases de efeito disparadas pelos personagens (“O exército é a minha vida e a minha família”, “Você precisa se perdoar pelas feridas morais”) diferem de qualquer comunicação oral corriqueira, porém se encaixam na boca destas figuras idealizadas. A inconsequência dos gestos – mata-se pessoas, e no dia seguinte, os corpos são esquecidos pela narrativa – contribui ao ideal de assassinatos virtuosos. O Extermínio Final demonstra preocupação notável quanto aos traumas psicológicos sofridos pelos atiradores, ainda que para sublinhar o heroísmo ainda maior daqueles que continuam lutando – a exemplo do protagonista, Brandon Beckett (Chad Michael Collins).

Outro fator interessante na produção se encontra no carinho desenhado entre Brandon, Richard (Billy Zane) e Thomas (Tom Berenger), que interpretavam os atiradores nos filmes anteriores. Ao reunir seus protagonistas, a narrativa descarta rapidamente as belas mocinhas, vistas como intercambiáveis (a personagem de Danay Garcia é aceita no time devido às suas características masculinizadas), porém reserva cenas de ternura entre os três homens, que encaram uns aos outros como filhos, colegas e herdeiros de uma tradição da luta do bem contra o mal. O olhar carinhoso de Tom Berenger a Chad Michael Collins, no final, se revela realmente comovente. O sétimo episódio de O Atirador ainda surpreende pelo caráter sangrento das mortes e brutal do sexo. Contra os filmes de censura PG-13, ou seja, permitidos aos menores de idade e dotados de pouco sangue e nudez, O Extermínio Final aproveita ao máximo sua classificação R, permitida para maiores de idade, para mostrar cabeças estourando em câmera lenta, além de uma bela colombiana fazendo sexo com um traficante local e projéteis voando até seus alvos.

A violência e o sexo se tornam fetiches: pouco importa quem mata e quem morre, contanto que a cota de tiros esteja garantida. A impessoalidade das ações e a superficialidade dos personagens garante um resultado não exatamente ruim, apenas pouco memorável. O diretor Claudio Fäh apresenta um filme que passaria no Domingo Maior ou Tela Quente de vinte anos atrás e conquistaria uma legião de fãs. Hoje, soa anacrônico após filmes de ação muito mais questionadores como a franquia Bourne, que inovou na linguagem e no discurso, ou mesmo a evolução da saga Missão Impossível, com seu novo entendimento de ação e de efeitos visuais. A visão do herói sofreu mudanças com John Wick, os papéis femininos se desenvolveram na saga O Exterminador do Futuro, e a representação do inimigo (caso dos vilões do Oriente Médio em Sniper Americano, 2014), passou a ser questionada. O mundo se transformou bastante desde a consolidação deste cinema da brutalidade. Mesmo assim, a franquia O Atirador se atém ao saudosismo, ou mesmo reacionarismo no sentido estrito da palavra, lembrando aqueles bons tempos em que os maus eram apenas maus, os bons matavam sem ser questionados por isso, e os Estados Unidos salvavam o resto do mundo. Afinal, as coisas sempre foram assim, não?

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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