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Sinopse

Quatro histórias protagonizadas pela mentira. Partindo de frases célebres do escritor Ariano Suassuna, somos apresentados a Helder, Fabiano, Pierce e Lorena. Eles vivem histórias interligadas pela lorota e pelo quiprocó.

Crítica

O escritor Ariano Suassuna discorria frequentemente em suas entrevistas sobre a mentira, chegando a afirmar simpatia pelo loroteiro que faltava com a verdade não necessariamente para ganhar vantagem, mas pela pura arte de engambelar. O Auto da Boa Mentira é uma coletânea de quatro histórias nas quais, curiosamente, apenas o protagonista do terceiro segmento utiliza a inverdade para sair de uma enrascada. Os demais, ou surfam na onda de uma invenção que lhe apresentam (o da primeira história); são vítimas de embustes frequentes (o da segunda); utilizam o artifício da balela para acobertar a própria insignificância em certo meio social. A promessa da trama inaugural é de algo nos moldes de Relatos Selvagens (2014) – também um filme feito de pequenos enredos irmanados por um tema, no caso a vingança. Helder (Leandro Hassum) é confundido com um famoso, situação que permite a ele desabrochar. A natureza invisível do homem rima com a da estagiária que encerra o longa de José Eduardo Belmonte, embora as semelhanças pareçam mero acaso.

A simetria com a produção argentina se dá, igualmente, pelo tempero agridoce da jornada do sujeito beneficiado pela farsa para ser amado publicamente, mas logo apresentado a efeitos colaterais. O melhor é o encerramento, no qual a surrada lição “a mentira tem pernas curtas” é suplantada por uma intenção menos moralista. A morte de um pode ser a sorte de outro? Pode. A despeito da transformação praticamente mágica do protagonista que vira espirituoso, e até mesmo muito engraçado, ao simplesmente ser confundido com o comediante, o resultado é interessante. Na sequência, Belmonte conduz uma situação não tão instigante, especialmente pelo modo como articula as mentiras se entrelaçando para determinar o futuro do jovem em busca do pai verdadeiro. A câmera na mão é uma opção insólita para uma comédia com claras tintas caricaturais, isto vide ruídos que cortam diálogos e expressões, os famigerados “tonhonhoim” alusivos à lógica circense centralizada no palhaço. Porém, eles não são dispostos para espelhar o conteúdo na forma.

É comum que num filme episódico como O Auto da Boa Mentira prevaleça a desigualdade, com segmentos melhores que outros. Aqui, o ponto baixo é o terceiro, o do guia turístico norte-americano que causa reboliço na favela ao inventar um assalto para justificar a ausência na festa do amigo. Em vez de embutir seriedade nas consequências da inverdade, os roteiristas preferiram investir nas sacadas espirituosas. Algumas funcionam bem, mas a maioria nem tanto. Exemplo de boa tirada, quando o personagem de Serjão Loroza repreende o estrangeiro dizendo “tá querendo que a favela vire Copacabana?”, brincando com a inversão do lugar-comum sobre a geografia da violência na cidade do Rio de Janeiro. Já toda a dinâmica envolvendo o chefão do morro vivido por Jesuíta Barbosa fica aquém do esperado, especialmente pela conciliação derradeira. Tendo em vista os lampejos da primeira parte, sobretudo com relação a demarcar os efeitos da mentira supostamente banal – a despeito da insistência na piada de Hassum mais engraçado quando gordo –, aqui a resolução é conformada.

Volta e meia, José Eduardo Belmonte insere imagens de arquivo – palestras, entrevistas, etc. – do próprio Ariano Suassuna introduzindo o que virá. Poderia ser um expediente melhor aproveitado caso o cineasta não se contentasse com utilizar o artista enquanto mestre de cerimônias somente ilustrativo. A fração derradeira de O Auto da Boa Mentira também se assemelha a um dos segmentos de Relatos Selvagens, exatamente o da festa que acaba numa confusão danada. Nesse caso, os estilhaços da mentira até que são peculiares pela forma como insuspeitamente deflagram a teia enorme de traições e insatisfações entre os colegas da agência de publicidade bem-sucedida. Entretanto, perde-se tempo construindo desnecessariamente a visão da estagiária sobre praticamente toda aquela fauna, haja visto que o impacto almejado (rupturas consequentes, como se retirássemos a base de um castelo de cartas) poderia ser parecido sem o prelúdio da balada. Ao permitir-se ousar, o conjunto diverte. Mas, ao atenuar/sabotar muito seu potencial sarcástico, perde intensidade e graça.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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