O Auto da Compadecida 2
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Guel Arraes, Flávia Lacerda
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O Auto da Compadecida 2
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2024
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Brasil
Crítica
Leitores
Sinopse
Em O Auto da Compadecida 2, após 25 anos, João Grilo retorna à Taperoá. Rapidamente, percebe que virou uma lenda na região, após seu amigo Chicó passar anos contando as aventuras e "causos" vividos por ambos. Com isso, Grilo, usando toda sua esperteza e astúcia, tentará tirar proveito de sua fama. Estrelado por Selton Mello e Matheus Nachtergaele.
Crítica
O Auto da Compadecida (2000) levou mais de dois milhões de espectadores aos cinemas, tendo sua notoriedade aumentada um pouco depois pela exibição da versão televisiva na Rede Globo. Nos quase 25 que separam o filme de sua sequência, as aventuras de Chicó (Selton Mello) e João Grillo (Matheus Nachtergaele) deixaram de ser propriedade exclusiva dos amantes da obra de Ariano Suassuna e se tornaram pop. Tanto que O Auto da Compadecida 2 teve a sua première na CCXP, um dos maiores eventos de cultura nerd do mundo – quem sabe como uma tentativa dos produtores de surfar na popularidade que, de alguma maneira, faz justiça à obra do escritor paraibano infelizmente já falecido. Os universos de Suassuna, encantados pelas tradições e pelo folclore de um nordeste lúdico, contém sobreviventes de um povo humilde. Então era de se esperar que a continuação chegasse cercada de expectativas, afinal de contas se trata de uma trama original encarregada de mostrar a reunião de dois personagens carismáticos. Chicó está morando ainda em Taperoá, agora uma cidade desertificada pela falta de chuvas e tornada fantasma ao perder moradores por conta da sua insalubridade. Abaixo da linha da miséria, sobrevivendo de contar as histórias da ressurreição do ausente amigo João Grilo, ele faz vigília pela volta da amada Rosinha (Virginia Cavendish). Tudo isso muda quando João Grilo retorna.
O que chama atenção negativamente em O Auto da Compadecida 2 é a artificialidade. De certa forma repetindo o que fez no ótimo Grande Sertão (2024), Guel Arraes (aqui dividindo a direção com Flávia Lacerda) prefere reconstruir Taperoá em estúdio. Ele aposta ainda em componentes como a computação gráfica e a dublagem (de qualidade bastante duvidosa) para dar cara ao mundo no qual coloca os personagens. Esse desenho de produção poderia funcionar bem se os cineastas utilizassem o tom barroco para enfatizar poeticamente os aspectos culturais do sertão nordestino – mais ou menos como fez Luiz Fernando Carvalho na minissérie A Pedra do Reino (2007). Infelizmente não é isso o que acontece. Dentro da proposta narrativa, o aspecto visual e o sonoro viram ruídos cada vez mais incômodos. Guel e Flávia rechaçam o naturalismo em busca de uma teatralização que ganha contornos de programa televisivo despretensioso quanto à sua linguagem. Os figurinos não são puídos, passando mais a sensação de estilizarem a pobreza do que qualquer coisa. O mesmo se aplica às maquiagens e aos sotaques. Como tudo é claramente artificial, pode-se pensar que a proposta narrativa era justamente essa, ou seja, a de se distanciar do realismo para ser poético, a fim de acentuar a ideia de um espaço lírico. Porém, o resultado é um tiro que saiu pela culatra, pois nada disso funciona bem. Tudo parece sem vida e propósito.
Selton Mello e Matheus Nachtergaele continuam interpretando com excelência os personagens que agora retomam quase 25 anos depois. Os dois parecem à vontade nessa retomada de Chicó e João Grilo, embora sejam frequentemente sabotados por um roteiro que requenta dinâmicas do primeiro filme e aproveita pouco as suas “novidades”. Em dado momento, João Grilo vai desmontando o discurso subserviente proferido por Chicó para se resignar diante de opressões e explorações. Para cada romantização do amigo, ele vem com uma explicação lúcida a respeito do funcionamento agressivo do capitalismo e sobre como sobrevivem as disputas políticas locais. Nesse ponto de O Auto da Compadecida 2 ganhamos a esperança de que o artificialismo será compensado pelos discursos capazes de elaborar a distância entre os homens humildes com algum discernimento e os ignorantes (principais alvos dos poderosos). No entanto, Guel Arraes e Flávia Lacerda não conseguem mimetizar o estilo debochado e contundente de Ariano Suassuna, quando muito fazendo algo que lembra vagamente as criações do gênio paraibano. Mais à frente, João Grilo ludibriando o coronel e o comunicador, os candidatos a prefeito, poderia ser a vitória do malandro contra a tirania. Mas, os realizadores não se permitem tempo para explorar algumas camadas de uma falação que acaba se tornando rasa e sem contundência.
O Auto da Compadecida 2 é um longa-metragem feito de esquetes rápidas que se canibalizam. Assim, mal um assunto é trazido à tona, ele é sufocado para dar lugar a outras coisas. O renascimento da cidade acontece num passe de mágica; as discussões sobre as pragas do coronelismo e do voto de cabresto vão assim como vêm: com pressa; o amor de Chicó por Rosinha, a participação do malandro carioca que parece ter saído de um manual de estereótipos, a predominância dos tons terrosos na fotografia (que reproduz os lugares-comuns televisivos sobre o nordeste), o sotaque na boca de novas aquisições sudestinas do elenco, tudo isso ajuda a transformar a sequência numa decepção enorme. Se Guel Arraes e Flávia Lacerda abraçassem criativamente a possibilidade dos artifícios que eles utilizam, ao menos o filme teria uma marca própria, quem sabe fruto de um bom diálogo entre o teatro mambembe e o cinema. No entanto, como essa natureza postiça nunca é valorizada, o que sobra é uma sensação de estranhamento. Por fim, a tão famosa cena do primeiro filme, na qual há o julgamento de João Grilo entre o céu e o inferno, é aqui copiada escancaradamente. Sem a mesma inteligência e perspicácia com a qual Ariano Suassuna criou um momento em que o homem simples roga pela intercedência da nobre mãe de Jesus, os roteiristas Guel Arraes, Adriana Falcão e João Falcão apenas o reprisam. É pouco tendo em vista que nas últimas décadas os safos Chicó e João Grilo viraram figuras pop e caíram nas graças do povo.
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