Crítica
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Sinopse
Auxiliadora é explorada sexualmente pelo próprio avô. Ele a exibe nua para uma plateia de caminhoneiros. O jovem Cícero nutre por ela uma paixão protetora. Na mesma região, os agroboys tocam o terror.
Crítica
O segundo longa-metragem do diretor pernambucano Cláudio Assis exponencia tantos os méritos quanto os defeitos do filme anterior, Amarelo Manga (2002). Se em sua primeira experiência cinematográfica de desenvolvimento mais elaborado ele conseguiu um resultado muito equilibrado, sem deixar de ser contundente e provocativo, em Baixio das Bestas parece ter cedido a um instinto mais inquisidor, revelador e inquieto, deixando a forma do discurso num segundo plano. O que parece verdadeiramente importar são as imagens fortes e as reações provocadas nos espectadores. "Estou aqui para incomodar", afirmou Assis quando lhe perguntei a respeito do que esperava conseguir com este novo trabalho. "Quero que o filme faça as pessoas se mexerem, e que ele fique nas memórias delas. Talvez não mude o modo delas agirem, mas que vai provocar uma reflexão, ah isso vai", completou.
Quando Baixio das Bestas foi anunciado como o Melhor Filme do 39º Festival de Cinema de Brasília, no final de 2006, metade da plateia recebeu a notícia com fortes palmas - enquanto os demais também reagiram, registrando uma contrariedade sob enfáticas vaias. Cláudio Assis perdeu o Candango para Helvécio Ratton e seu Batismo de Sangue, mas Baixio levou ainda outros 5 prêmios: Atriz (Mariah Teixeira), Ator Coadjuvante (Irandhir Santos), Atriz Coadjuvante (Dira Paes), Trilha Sonora e Prêmio da Crítica. Um resultado bastante significativo, que no mínimo indica que, se o filme tem provocado reações diversas no público, junto à crítica especializada - e ao júri oficial do festival - o efeito foi bem intenso. E bastante positivo.
Mas, acima de tudo, esta não é uma obra que busca unanimidade. Afinal de contas, as temáticas abordadas no enredo são, no mínimo, propensas às mais diversas polêmicas. E o modo como são tratadas na tela não facilitam nenhuma possível controvérsia. A trama se divide em várias histórias, compondo um cruel painel da vida no agreste, tendo como foco os que vivem da prostituição - as meninas e seus agenciadores - e os mais assíduos clientes destes, principalmente aqueles chamados de "agroboys", filhinhos de papai endinheirados que estudam nas capitais e que, quando em folga, voltam para as fazendas para barbarizar, sem respeito nem atenção, a comunidade pobre que subsiste ao redor.
Caio Blat, que anda numa fase voltada ao cinema, com este e os ainda inéditos por aqui Proibido Proibir e o já citado Batismo de Sangue, é um dos protagonistas, um rapaz irresponsável que pouca atenção dá aos estudos e que só quer saber de torrar a grana dos pais em festas e emoções baratas. Ele acaba se apaixonando por uma garota, quase uma menina, que é prostituída pelo avô, que a cria. E por mais fortes que sejam os sentimentos que ele começa a nutrir por ela, a relação de poder que existe entre os dois falará mais alto. No puteiro do local trabalham mulheres mais descoladas, interpretadas por atrizes como as sempre ótimas Dira Paes e Marcélia Cartaxo (Madame Satã), além de Hermila Guedes, revelada em O Céu de Suely. Um dos líderes dos arruaceiros é Matheus Nachtergaele, que compõe um personagem visceral e inconsequente de assustadora perfeição.
Se o elenco nos apresenta atuações inquestionáveis, está na forma como o diretor conduz sua história que cria as maiores divergências em relação ao filme. Com cenas de gratuita violência e sexualmente explorativas, ele se distancia do objetivo inicial - refletir e questionar - para causar, acima de tudo, repulsa e desprezo. Só que este deveria ser dirigido às ações mostradas, e não ao produto artístico em si. Desse modo, Baixio das Bestas permanece longe da audiência, não cumprindo sua função primordial: denunciar e contribuir com uma análise séria e precisa sobre um problema tão frequente a uma parcela cada vez mais expressiva da nossa sociedade. Claro que um filme não deve ser um tratado social, mas quando ele próprio assume este posicionamento, ao menos que desempenhe corretamente este papel.
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