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Sinopse

Randall sofre um ataque cardíaco e começa a pensar que está com os dias contados. Pensando em não desperdiçar os momentos preciosos que lhe restam, ele convoca seu amigo Dante para rodar um filme que conte as suas histórias.

Crítica

O lançamento de O Balconista (1994) foi um dos marcos do cinema independente norte-americano dos anos 1990. Kevin Smith era um ilustre desconhecido no cenário cinematográfico até mostrar esse filme minúsculo, quase todo ambientado numa loja de conveniência, fotografado em preto e branco e que retrata o cotidiano de uma juventude mergulhada em questões existenciais embutidas em amenidades e citações à cultura pop. Para alguns, a carreira do cineasta não foi necessariamente o êxito que dela se esperava, tendo como baliza essa estreia com uma obra-prima. Mas, convenhamos, o pouco reconhecimento de Smith como cineasta de valor tem mais a ver com as expectativas do mercado do que necessariamente com falta de talento. Claro, ao longo de sua trajetória ele “cometeu” filmes dos quais confidenciou arrependimento – como o pouquíssimo memorável Tiras em Apuros (2010). No entanto, um artista que comandou os excelentes Procura-se Amy (1997) e Dogma (1999) não deveria ser enquadrado como uma decepção. De todo modo, ele realmente nunca atingiu o mesmo grau de atenção de quando estreou O Balconista, tampouco ganhou elogios pela boa sequência da sua “Monalisa”, o ótimo O Balconista 2 (2006). Provavelmente nem vai ser alçado ao Olimpo de novo com O Balconista 3, mas merecia reconhecimento, inclusive a julgar por esse ponto final.

Para começo de conversa, Kevin Smith foge da convenção de mudar o estatuto dos personagens, transformando homens infantis em pais, a fim de que eles “cresçam”. O leitor mais atento pode estar se perguntando: mas, em O Balconista 2 Dante (Brian O'Halloran) não estava prestes a virar um homem de família, com essas responsabilidades “adultas”? Sem dar spoilers, dá para dizer que o cineasta (e roteirista) contorna esse direcionamento do segundo filme. De quebra, transforma o sempre cansado e ranzinza Dante num personagem potencialmente trágico que se desespera ainda mais quando o seu melhor amigo, Randall (Jeff Anderson), tem um ataque cardíaco quase fulminante. O humor característico da agora trilogia O Balconista se estabelece na sequência do hospital: uma médica tirada às pressas de uma festa à fantasia, citações a O Mágico de Oz (1939) e Randall exibindo o seu enciclopédico conhecimento da Saga Star Wars. Desde então fica claro que Kevin Smith não está fazendo um filme codificado para a atualidade, propenso a “atualizações” e afins, mas se direcionando aos fãs dos elementos e abordagens que fizeram de O Balconista um capítulo incontornável do cinema norte-americano dos anos 1990. Os “não iniciados” nesse mundo são convidados a se iniciarem. É importante salientar isso como um gesto nada convencional nessa atualidade de franquias reelaboradas para um público jovem.

O Balconista 3 tem sabor de nostalgia e/ou de refeição requentada, daí dependendo a perspectiva do espectador. Também vai contar à diferenciação o interesse pela continuidade fiel ao modelo que, se não provoca mais tantos abalos sísmicos, denota coerência. Outra armadilha da qual Kevin Smith escapa com astúcia é o filme nostálgico em que pessoas mais velhas criticam a juventude atual com despeito/incompreensão. O roteiro menciona NFT’s, TikToks e outros elementos da nossa contemporaneidade, mas sem gastar muito tempo num discurso “na nossa época tudo era melhor”. Depois de sofrer o ataque cardíaco, Randall, decide fazer um filme contando a sua história, inclusive mantendo as pessoas se interpretando – depois da rodada de testes com vários famosos em participações especiais. Desse modo, Kevin Smith abre os caminhos da metalinguagem, mas continua aparentemente interessado em reafirmar a força da amizade entre Dante e Randall, aliás, como de costume no seu cinema no qual vínculos masculinos são tratados como memorabilia rara. Procura-se Amy e Dogma eram também filmes sobre bromances – expressão em língua inglesa (brother + romance = amor de irmãos) utilizada para se referir a relacionamentos íntimos, não necessariamente românticos e/ou sexuais, entre homens com afinidades. O enredo é relativamente previsível, mas funciona de qualquer modo.

Há pontos cegos em O Balconista 3. O principal deles diz respeito ao retorno de Elias (Trevor Fehrman), personagem claramente preparado para suprir uma lacuna, mas cuja função na trama é praticamente ilustrativa. Apenas na cena irônica da prece para Jesus atendida (e que gera a conversão radical ao satanismo) ele faz alguma diferença. No mais, é somente um cabide de fantasias extravagantes que servem para enxertar na trama ainda mais citações à cultura pop – e ser acompanhado por outro coadjuvante silencioso, o que não acrescenta. Jay (Jason Mewes) e Silent Bob (Kevin Smith) continuam atuando como ótimos alívios cômicos, mas também não são necessariamente relevantes nessa sucessão de trapalhadas em meio à construção do filme dentro do filme. Mesmo com esses vários senões, o longa-metragem cumpre bem a difícil tarefa de encerrar uma jornada iniciada há quase 30 anos, quando os atores eram bem mais jovens e o seu diretor se apresentava com um iniciante arrojado e talentoso. Se em O Balconista os protagonistas serviam como núcleo em torno do qual gravitava uma fauna característica da sua época, aqui os clientes são figurantes, pois Dante e Randall, mais precisamente a amizade deles, ganha quase totalmente os holofotes. Em meio a tantas citações, piadas com palavrões, maconheiros e sobreviventes do grunge mantendo as suas raízes, surge espaço até mesmo para instantes emocionantes, como todos em que reaparece a personagem solar de Rosario Dawson.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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