Crítica
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Crítica
Numa banda, geralmente o baterista não é a figura de maior destaque. Porém, seus eventuais erros são claramente perceptíveis, porque comprometem o ritmo. Num time de futebol, normalmente o goleiro não é o atleta que mais brilha, todavia suas falhas ocasionais saltam aos olhos, pois ele é o guardião da meta. O Baterista e o Goleiro aproxima dois sujeitos que desempenham essas funções essenciais ao andamento da harmonia e à solidez de uma equipe. O músico Gabriel (Dermot Murphy) está às voltas com cada vez mais frequentes crises, em virtude de sua bipolaridade com traços de alucinação. Recomendado pela psiquiatra que cuidava de sua mãe, ele começa a jogar num time de pessoas que possuem distúrbios e síndromes distintas. Dentro das quatro linhas, conhece o jovem Christopher (Jacob McCarthy), o guarda-meta talentoso, portador de Asperger, que rapidamente se afeiçoa, ensaiando um vínculo de pronto rechaçado por ele.
O Baterista e o Goleiro possui uma estrutura de roteiro bastante conhecida, especialmente em se tratando desse tipo de abordagem. O percurso começa com um elo improvável, gradativamente adensado por uma amizade genuína de ganhos mútuos. Quando tudo parece se encaminhar ao desfecho positivo, um deles fraqueja e quase bota tudo a perder, antes da redenção que estabelece o verdadeiramente importante. Diversos longas-metragens utilizaram arcabouço semelhante. Portanto, não é exatamente por aí que a produção dirigida por Nick Kelly nos ganha, mas em virtude da exposição sensível dos dilemas dos protagonistas, das dificuldades que ambos têm para se relacionar com o mundo. Antes disto ser verbalizado por alguém, é perfeitamente visível que Gabriel e Christopher se complementam, já que um sofre de severa dificuldade para controlar impulsos, enquanto o outro se depara cotidianamente com o bloqueio para entender gente.
Emoldurado por uma ótima e vibrante trilha sonora, O Baterista e o Goleiro propõe discussões valiosas sobre saúde mental, com sinalizações a realidades concretas, vide a incapacidade de famílias para lidar com as idiossincrasias de cada quadro. Outro traço colocado devidamente é o corriqueiro descarte de quem sofre de uma condição especial, com os consequentes contratempos concernentes à inserção social. A despeito da previsibilidade, fruto da rápida identificação da surrada ossatura do enredo, o conjunto dá conta de tocar em assuntos espinhosos, e, ainda que não abertamente disposto a mergulhar profundamente nos mesmos, sem cair numa leviandade contraproducente. O carisma dos personagens é boa parte responsável pelo êxito do filme, com destaque para as composições de Dermot Murphy, que cria um tipo frustrado pessoal e profissionalmente, e de Jacob McCarthy, que capricha para substanciar a representação da síndrome que acomete o jovem em franco crescimento.
Sem que haja prejuízo considerável às mensagens principais, coadjuvantes perdem espaço pelo caminho. A traição da banda não é esmiuçada, pois coincide com um momento especialmente turbulento para o baterista. Já Christopher, apesar da singularidade, precisa lidar com a realidade nem sempre mediada por protocolos e regras. O comportamento dos pais que relegam a terceiros a criação de filhos portadores de necessidades especiais é discutida no limite para tornar o todo verossímil. Como na música e no futebol, baterista e goleiro chamam a atenção alheia bem mais por seus erros, não se podendo dizer isso dos acertos. Exatamente essas posições vitais, porém ingratas, tanto profissional como intimamente falando, são interligadas simbólica e literalmente por Nick Kelly, a fim de consolidar a importância da ternura e da mutualidade no cotidiano das pessoas. Com uma pegada leve, mas sem furtar-se de apertar certos botões delicados, o resultado é envolvente.
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