Crítica
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Sinopse
Dois prisioneiros dividem a cela numa cadeia da América do Sul. Um deles é homossexual e está preso por comportamento imoral. O outro está encarcerado por motivos políticos. Para escapar mentalmente daquela rotina excruciante, o primeiro inventa filmes repletos de mistério e romance, evocando o poder da imaginação e do cinema.
Crítica
A adaptação da obra literária de Manuel Puig foi um dos projetos mais ousados de Hector Babenco. Com produção mezzo brasileira, mezzo ianque, O Beijo da Mulher Aranha foi rodado aos trancos e barrancos em terras tupiniquins, mas chegou a um resultado maior que o esperado. O filme foi um dos grandes sucessos de crítica da época, levando o prêmio de atuação para William Hurt no Festival de Cannes e no Oscar, onde também concorreu a Direção, Roteiro Adaptado e Filme do ano. Na trama, passada na América do Sul, Luis Molina (Hurt), homossexual condenado por pederastia, divide a cela com Valentin (Raul Julia), um preso político. Do estranhamento inicial dos dois, surge uma amizade que se converte em paixão para um deles. Enquanto passam seus dias trocando olhares ácidos sobre a vida, Molina tem alucinações com a história da tal Mulher Aranha do título (Sônia Braga) e inventa uma trama de espionagem com nazistas, ao passo que Valentin é torturado constantemente para entregar seus colegas.
Babenco se apropria da obra de Puig para fazer um estudo muito interessante sobre metalinguagem. O filme dentro do filme é citado diversas vezes, muitas delas para fugir da prisão em que está a dupla de protagonistas, ao mesmo tempo em que serve para botar o dedo na ferida América Latina e suas ditaduras, além de apresentar uma excepcional Sônia Braga em três papeis distintos: a Mulher Aranha, Leni, a espiã e o amor de Valentin na vida “real”. É uma crítica sólida ao totalitarismo e ao próprio preconceito sexual, visto que o personagem que mais chama a atenção, Molina, é um “gay clássico” do cinema e da literatura, mas com contornos muito mais profundos do que uma simples afetação ou feminilidade latentes. Por sinal, William Hurt se entrega totalmente ao seu personagem, sendo merecedor de todas as láureas que recebeu na época. O ator cuida sempre para não cair no escracho e no deboche, tornando Molina uma pessoa totalmente real, mesmo que viva num mundo de fantasias, aplacado, especialmente, pelas desilusões amorosas que sofreu. Seu colega de cena, o saudoso Raul Julia, não fica muito atrás, mostrando todo o sofrimento que os rebeldes de um regime militar sofrem, sem abrir mão de sua visão política. Um embate forte de ideias emocionais e racionais.
É inteligente como esta amizade/paixão é colocada na tela entre os dois personagens, que têm diferenças não apenas sexuais e políticas, mas também sofrem de distintas maneiras na prisão. Enquanto um é torturado física e psicologicamente como inimigo público, o outro consegue, através de favores sexuais, regalias dentro daquele regime, mesmo que no fim não signifiquem nada para ele. Afinal, o que pode ser reconfortante dentro de uma prisão? É na fantasia que talvez o longa de Babenco encante não apenas quem gosta de um bom drama político, mas também quem pode buscar uma diversão mais escapista. Afinal, a trama de espionagem com uma agente secreta pode ser recheada de subtextos, mas também é fotografada de forma espetacular, chamando a atenção do grande público, ainda mais com o extremo cuidado com o figurino e a direção de arte, impecáveis. Com a presença ofuscante de Sônia Braga dominando quadro a quadro, fica quase impossível não desejar um filme à parte com sua(s) personagem(ns).
Se o longa é uma produção que enche de orgulho os brasileiros ou é injustiçado por não ter sido ainda mais reconhecido internacionalmente, isto pouco importa. O interessante é mostrar como um cineasta de mão cheia consegue ampliar ainda mais uma trama que, por si só, já seria boa e necessária. O Beijo da Mulher Aranha não é apenas um filme político-gay-contra-opressão. É, antes de tudo, cinema de extrema qualidade que fala da própria sétima arte como arma de combate e de ilusão. Algo que muitos tentam, mas poucos conseguem unir e entregar em uma obra tão densa e deliciosa de assistir.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Matheus Bonez | 10 |
Ailton Monteiro | 7 |
Chico Fireman | 7 |
Alysson Oliveira | 8 |
Bianca Zasso | 7 |
Marcelo Müller | 9 |
Daniel Oliveira | 7 |
MÉDIA | 7.9 |
Gostei muito da sua crítica. Só discordo dos elogios que faz à atuação de Sônia Braga. Para mim ela é muito canastrona e está bem distante da atuação de Hurt e Julia.