Crítica

Uma das figuras mais populares do universo pop fantástico, os vampiros geralmente são apresentados sob dois aspectos: selvagens, audaciosos e no total domínio de seus poderes – como o icônico Drácula – ou entediados, aborrecidos e cansados do fardo da imortalidade – como as adolescentes da saga Crepúsculo. Esse duo foi bem explorado no clássico contemporâneo Entrevista com o Vampiro (1994), com os amantes Lestat (Tom Cruise, impetuoso) e Louis (Brad Pitt, sofredor). E estes mesmos perfis estão em cena novamente em O Beijo dos Amaldiçoados, drama escrito e dirigido por Xan Cassavetes que, apesar dos elementos sobrenaturais de sua trama, se esforça para inseri-los num ambiente o mais convencional possível – ainda que nem sempre essa intenção seja alcançada.

O Beijo dos Amaldiçoados começa em uma cena com a câmera estática, ao nível do chão, num piso imaculadamente branco, a não ser por algumas gotas de sangue no seu centro. Estamos encarando uma porta, que logo se abre, deixando a luz do dia entrar. A senhora que adentra o recinto – da qual só vemos suas pernas – caminha calmamente até a marca, se abaixa, retira um lenço da bolsa e limpa os respingos, sem se alterar. E em seguida passa a se ocupar com os afazeres da casa, limpando e cuidando do lugar. Ou seja, o espirro sanguinolento que deixaria qualquer preocupado, ali, é algo normal. Somente à noite é a que a bela Djuna (Joséphine de La Baume, vista há pouco em Rush: No Limite da Emoção, 2013) se levanta, pronta para mais uma jornada. Trata-se, afinal, de uma vampira acostumada a viver entre os homens, que conta com fiéis ajudantes que lhe protegem e que toma todas as precauções para não despertar atenções a seu respeito. Ao menos, é claro, até se apaixonar.

Isso acontece ao conhecer Paolo (Milo Ventimiglia, de Rocky Balboa, 2006), um roteirista em retiro profissional na mesma pequena cidade. Os dois logo se envolvem, e quando ele percebe que há algo de errado com ela, ao invés de se afastar, se entrega de vez, pronto para a transformação. Não há questionamento, muito menos hesitação, e mesmo a surpresa ao descobrir a verdadeira identidade da amante é rapidamente superada. Esse não é o foco em discussão. No cenário proposto pela diretora e roteirista vampiros podem não estar declaradamente entre nós, como no seriado True Blood (2008-2014), mas são seres milenares que sabem bem como lidar com qualquer contratempo. A não ser, é claro, que estes problemas surjam entre eles próprios.

Djuna possui uma irmã, Mimi (Roxane Mesquida, de Kaboom, 2010), que é o seu oposto. Se a mais velha quer levar uma vida-morte discreta, a outra é violenta, não teme enfrentar qualquer risco para se alimentar e está sempre testando os limites ao seu redor. Quando a garota aparece, a rotina do casal sai completamente do controle, com tentações e perigos surgindo a todo instante. Há ainda a presença de Xenia (Anna Mouglalis, a Coco Chanel de Coco Chanel & Igor Stravinsky, 2009), como uma ancestral poderosa que prega a convivência pacífica com os humanos e que, apesar de tolerar os atos de rebeldia da novata, será posta em tentação por ela própria.

O ambiente criado em O Beijo dos Amaldiçoados por Xan Cassavetes possui elementos interessantes, que no entanto são abordados apenas superficialmente, sem um aprofundamento necessário. A relação com as criadas portadoras de uma rara doença no sangue, ou a vontade de Paolo em abraçar o vampirismo, por exemplo, são duas questões quase ignoradas, apesar de despertarem muitas indagações. Filha do grande John Cassavetes (dono de três indicações ao Oscar) e da excelente Gena Rowlands (indicada duas vezes ao prêmio máximo da Academia) e irmã do atuante Nick Cassavetes (diretor do recente Mulheres ao Ataque, 2014), a realizadora parece não ter herdado o mesmo talento da família. Tudo o que entrega é uma obra genérica, que até possui alguns raros momentos de tensão, mas que num todo resulta tão entediante quanto sua protagonista.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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