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Sinopse

Em O Bom Professor, Julien é professor em um colégio. Jovem e dedicado, ele tenta criar um vínculo com sua turma, dando atenção especial a alguns alunos, incluindo a tímida Leslie. Esse tratamento diferenciado é mal interpretado por alguns alunos, que começam a suspeitar das intenções do professor. Julien é então acusado de assédio. A fofoca se espalha rapidamente, e tanto o professor quanto a aluna se veem presos em uma situação delicada. Selecionado para o Festival Varilux de Cinema Francês 2024.

Festival Varilux

Crítica

Julien (François Civil) é professor de literatura numa escola localizada nos subúrbios de Paris. Ao citar a aluna introspectiva no exemplo sobre o significado de um poema romântico, ele se coloca involuntariamente numa zona perigosa. Mais adiante, ao ser acusado pela mesma menina de assédio sexual, o homem come o pão que o diabo amassou: ameaças de morte, turbulências matrimoniais, rusgas com alguns colegas, desconfianças, etc. O Bom Professor toca em temas espinhosos. No começo, a câmera de Teddy Lussi-Modeste parece corroborar a dúvida sobre a culpabilidade desse personagem. Isso vide os momentos em que permanece fixa no homem que alega inocência – como se ao prestar um pouco mais de atenção nele pudesse extrair alguma confissão ou pistas que passaram despercebidas. Talvez por se tratar de uma trama baseada em fatos acontecidos com o cineasta (quando ele lecionava), o filme se apressa para dissipar logo qualquer equívoco: Julien nunca assediou a aluna. Quando muito utilizou o seu charme involuntariamente a fim de ser querido e amado. É uma pena que Teddy decida acabar com as interrogações rapidamente, nos mostrando que o protagonista está sofrendo os efeitos da denúncia adolescente, mas não tem a consciência pesada por condutas inapropriadas. Aos poucos a trama vai sendo bem mais sobre as resistências de Julien do que a respeito da denúncia.

O Bom Professor guarda semelhanças com A Caça (2012), filme dinamarquês no qual também acompanhamos um inocente acusado de abuso sexual pela aluna. Julien é um sujeito reservado e cada vez mais encarado como um idealista ferrenho. Em meio à desconfiança de parte dos colegas na sala dos professores, ele continua defendendo a urgente necessidade de observar com atenção os jovens para lhes garantir um futuro melhor. Perguntando sobre a decisão de não revelar a sua orientação sexual e fazer disso um escudo para se proteger das acusações, ele se mantém firme. Julien é um homem de princípios que não vai utilizar qualquer estratégia para escapar das maledicências de alunos, superiores e pais alarmados. Cada aula que ele dá depois de o escândalo vir à tona adiciona outra camada de tensão ao filme, pois a boataria e as notícias falsas se espalham como rastilhos de pólvora e vão crescendo. Basta uma fagulha e a contagem regressiva para a tragédia não seria nenhum absurdo. Mas, principalmente diante desse comportamento resiliente do protagonista, há uma pergunta que permanece implícita: qual é a linha que separa a obstinação da teimosia? Mesmo sendo encarado como vítima das fantasias da adolescente com, ao que parece, precárias condições familiares, Julien às vezes tem um comportamento menos cauteloso do que poderíamos esperar de alguém no olho do furacão.

Voltando à comparação com A Caça. No filme dinamarquês, o mais importante era a observação do protagonista incapaz de conter o estouro da barragem e, portanto, impotente para garantir a própria segurança e tranquilidade num caso calunioso. Em O Bom Professor podemos dizer que acontece algo semelhante, mas o diretor Teddy Lussi-Modeste evita enxergar Julien estritamente como vítima. Enfrentando a crescente resistência das pessoas ao redor, o professor sofre com tudo isso, mas antes de ser classificado como mártir demonstra sistematicamente falta de tato e traquejo para lidar com a situação. Na incapacidade de se defender das mentiras, o docente voluntarioso assume uma postura firme, não “pisando em ovos” sequer no tratamento cotidiano das alunas que continuam espalhando inverdades a seu respeito. O cineasta poderia alcançar resultados melhores se desenvolvesse algo específico sobre prós e contras dessa personalidade obstinadamente teimosa. Ainda assim o realizador deixa espaços para o espectador ponderar por conta própria, numa cena fornecendo subsídios para temermos pela integridade física e emocional do personagem, noutra criando circunstâncias para sentirmos até doses de raiva desse homem que nega a todo custo a iminência do colapso que é claro a todos os demais. O filme cresceria se estivesse um pouco mais atento à importância que Julien dá a seus princípios.

A professora que claramente nutre expectativas amorosas na companhia de Julien demonstra frustração quando certa informação vem à tona. Ao dialogar com a aluna que o acusa de assédio sexual, Julien diz algo do tipo “peço desculpas se não dei a atenção que você precisava”. São dois instantes distintos e distantes em O Bom Professor que nos dão chaves interpretativas. A partir deles podemos encarar o protagonista como refém pouco consciente das expectativas alheias. Felizmente, o realizador tem o cuidado de sugerir a carência de Julien, motivo que o faria não refutar os carinhos da colega e tampouco se esforçar minimamente para dissipar qualquer mal-entendido depois do fatídico exemplo em sala de aula. Pena que Teddy Lussi-Modeste fique indeciso entre observar o entorno a partir das angústias do homem acusado injustamente ou diagnosticar a melancolia de Julien como subproduto de uma sociedade precocemente doente. O que é mais relevante: a investigação do homem asfixiado pelo meio ambiente ou a denúncia desse ecossistema predisposto a dramas como os de Julien? Os momentos mais interessantes do filme são quando o papel permite a François Civil exibir ambiguidades comportamentais, a fazer de Julien mais do que o alvo de uma menina fragilizada emocionalmente. Afinal de contas, ele também tem áreas cinzas. Julien não apaga o incêndio com água. Ele joga gasolina sobre as labaredas. Será que prefere se queimar para preservar os alunos ou isso é seu orgulho falando?

Filme visto no Festival Varilux de Cinema Francês em novembro de 2024.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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