Crítica
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Sinopse
Anselmo, ex-investigador da Polícia Civil que atua clandestinamente no Mercado de Ações como o homem de confiança e faz-tudo de um magnata da Bovespa. Ele tem um câncer agressivo e pouco tempo para solucionar complexas situações profissionais e pessoais.
Crítica
Do belga Alzheimer Case (2003) ao hollywoodiano O Franco-Atirador (2015), com Sean Penn, várias produções já trouxeram histórias de assassinos/matadores de aluguel que possuem uma enfermidade irreversível, obrigados a lidar com a própria mortalidade. Um elemento dramático que, na maioria das vezes, se mostra um meio para expor a fragilidade, ou mesmo a humanidade, dessas figuras questionáveis, colocando-as no caminho de uma possível redenção. Em O Braço Direito, o diretor estreante, Rodrigo Reinhardt, apresenta uma trama que dispõe de todos esses mecanismos, protagonizada por Anselmo (Denis Derkian), ex-investigador da Polícia Civil que atua como homem de confiança do influente e poderoso Laerte (Genésio de Barros) – ainda que a origem de tal poder não seja devidamente explicada – liderando uma equipe de capangas que realiza o trabalho sujo para o magnata.
Sofrendo com uma grave doença, também nunca detalhada pelo roteiro – a sinopse oficial menciona uma metástase –, Anselmo se encontra lutando contra os efeitos de sua condição em meio a questões pessoais e a complicações que surgem na realização de seu mais recente trabalho, como o desaparecimento de sua jovem amante, Luara. Apresentando a jornada do protagonista ao longo desse dia de trabalho, entremeada por flashbacks que resgatam o passado para contextualizar situações e relações entre os personagens, Reinhardt constrói uma narrativa fragmentada, repleta de pequenas inserções, a princípio desconexas, mas sempre reconduzindo o espectador à linha temporal central por meio dos letreiros que informam o local e horário dos principais acontecimentos do presente. Uma construção que parece se justificar como representação da deterioração gradativa da mente de Anselmo, já que a doença, além de afetá-lo fisicamente, também se abate sobre seus sentidos e sua noção de realidade.
Contudo, mais do que a justificativa, a abordagem narrativa e estética do cineasta parece se prestar a uma busca pela autoafirmação, à necessidade de fazer com que sua obra transpareça escopo e acabamento que transcendam as limitações orçamentárias do projeto. Não à toa, o longa se inicia com uma cartela informando que a produção foi realizada por uma “pessoa física” – o próprio Reinhardt, que escreve, dirige, produz e edita – sem recursos públicos ou a participação de uma produtora no processo. Em relação a essa busca, pode-se dizer que o cineasta é parcialmente bem-sucedido, pois, de fato, existe um esmero visual, aliado a um bom uso das locações no litoral paulista – os planos aéreos noturnos das indústrias petroquímicas de Cubatão, as fábricas abandonadas que formam um cenário quase pós-apocalíptico, as paisagens naturais das estradas serranas e das praias, etc. – que faz com que o produto aparente contar com orçamento maior do que o real.
Todavia, mesmo que plasticamente bem-acabada, essa embalagem formal não deixa de ser genérica. Pois nem todos os filtros, sequências em preto e branco, câmeras lentas, imagens desfocadas e maneirismos de edição, são suficientes para que Reinhardt imprima uma personalidade própria, que faça seu trabalho se sustentar plenamente como um exercício de estilo. O sentimento que cerca esse esforço em criar um produto esteticamente diferenciado, bem como em gerar uma aura grave à trama, é justamente este: o de um esforço, constante, mas que raramente se materializa. Além disso, em determinados momentos, as limitações da produção independente impõem barreiras às ambições do diretor, como a de se valer da violência estilizada. Os tiros sem sangue ou filmados à distância, e outros atos violentos que surgem desfocados ou ocorrem fora do quadro, soam menos como uma escolha dramática e mais como uma necessidade gerada pela falta de recursos para um registro mais gráfico.
Falho como exercício de estilo, O Braço Direito não se sai muito melhor como estudo de personagem. Há novamente um claro esforço, incluindo o de Derkian em sua interpretação, para dar densidade às falas prontas e interações quase sempre artificiais entre Anselmo e os outros personagens, como os embates com o cafetão vivido por Lourinelson Vladmir. A construção frágil do protagonista, que possui uma natureza pouco empática – ainda que se tente associá-lo a um senso de justiça bastante questionável, resgatando alguns de seus atos na carreira pregressa como policial – não permite que este atinja a pretensa redenção, nem o torna uma figura que desperte qualquer sentimento mais intenso, mesmo que seja a repulsa. Desta forma, Anselmo termina num meio termo, que beira a indiferença, algo que se estendo à sua jornada, de modo geral.
Ainda que afirme adentrar um terreno temático inexplorado, inovador, denunciando o tráfico de informações/influências e a espionagem industrial, isto nunca se concretiza ou enriquece a experiência, se limitando a um par de cenas que abordam o “plano” executado pela equipe de Anselmo e aos letreiros de abertura e encerramento. Ao final, a trama criminal apresentada se mostra banal e derivativa, não atingindo suas aspirações de diferenciação nem como cinema de gênero, já que não abraça tal exercício por completo, nem como um drama supostamente complexo.
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