Crítica
Leitores
Sinopse
Filha de um poderoso e influente político, Isabela cresceu cercada de luxo e proteção. Todavia, uma vez apaixonada pelo líder de uma comunidade alternativa que prega o amor livre, ela abdica de sua vida de conforto. Adiante, em meio às tentativas de se reconectar com a família, Isabela descobre o envolvimento do pai num escândalo de corrupção.
Crítica
Primeiramente, para abordar este filme, seria necessário discutir a questão do plano-sequência. O Buscador (2019) é construído através de planos longuíssimos, nos quais se acompanha uma dúzia de personagens dentro de um casarão durante um almoço de Dia dos Pais. A câmera sobe e desce escadas, entra e sai de cômodos, acompanha uma conversa entre duas pessoas para se virar segundos depois e seguir outra discussão logo ao lado. O plano-sequência costuma ser reverenciado dentro da história da cinefilia pela fluidez e pela dificuldade de execução, além de fornecer aos atores a possibilidade de estenderem o jogo cênico. Aqui, no entanto, a dinâmica é diferente. Primeiro, as longas cenas não são construídas através de um movimento imperceptível, e sim de uma câmera que chama atenção excessiva a si própria. Apesar de termos uma dúzia de adultos se digladiando simultaneamente, o verdadeiro personagem é a direção de fotografia de Luca Pougy, aparentemente muito orgulhoso de sua frenética coreografia de rostos e corpos.
O efeito é vertiginoso. Embora os movimentos sejam mais fluidos no início, dentro de um acampamento, eles se tornam bruscos e violentos a partir da entrada na casa onde se passa a maioria da trama. A câmera treme incessantemente de rosto em rosto, aproxima-se demais de cada ator, corre apressada pelos espaços como se estivesse sempre à procura de algo – seria ela, afinal, o verdadeiro “buscador”? Teria sido muito mais fácil interromper as cenas, encontrar um foco, uma maneira de enquadrar adequada a cada instante, e trabalhar através da montagem a passagem do tempo, ou mesmo a sensação de urgência. No entanto, a câmera está em constante processo de (re)enquadramento, de modo a reforçar as atuações e decupar no interior de cada plano. O diretor Bernardo Barreto dificulta a tarefa para si mesmo: devido ao desejo de onipresença, ele não tem como iluminar a contento os cômodos da casa, nem trabalhar as necessidades específicas de som. Como resultado, algumas cenas soam escuras demais, ou destituídas de textura/volume, enquanto as conversas dentro de cozinhas e banheiros trazem um forte eco. Tudo está em foco, o tempo inteiro, em profundidade infinita, por todos os lados.
Embora a noção de mise en scène implique numa seleção do olhar, esta curiosa direção se recusa a fazer escolhas e seleções. Não há silêncios, sombras, ambiguidades, insinuações. Os personagens jamais param para refletir, assim como o filme. Partindo da dinâmica de um milionário às vésperas de ser preso por escândalos de corrupção, ao lado de diversos pais, filhas, namorados e namoradas que se odeiam, O Buscador resolve seus conflitos pela exteriorização, e por uma transparência convertida em obviedade: eles gritam, se ameaçam, se insultam, se manipulam. Os personagens atuam com um “A” maiúsculo, sendo a atuação compreendida no sentido de confronto. “Era melhor que você não tivesse nascido!”, grita o pai à filha; “Você prefere ter uma vida longa e preso, ou curta e solto?”, dispara filosoficamente a esposa rejeitada; “Eu me lembro dos nossos corações batendo juntos / O meu coração nasceu do seu”, lança a filha ao pai, “A mãe disse que nossas vidas ficaram muito tempo afastadas”, repete a mesma filha a propósito de uma ligação de telefone aparentemente banal. Os diálogos tornam-se artificiais porque exagerados e acessórios. O roteiro se constrói em torno de um mosaico de personagens detestáveis, baseados em caricaturas de burgueses egocêntricos. É difícil se identificar com qualquer um deles, mesmo pelo protagonista, o único homem “externo” à vida dos ricos, que se comporta de maneira incompreensivelmente passiva dentro da casa.
“Mas este é o objetivo do filme”, pode-se argumentar: criticar a ganância dos ricos, a concentração de renda, a corrupção generalizada. Sim, é possível. No entanto, o refinamento de linguagem seria essencial enquanto proposta de debate. Recentemente, Domingo (2018), de Fellipe Barbosa e Clara Linhart, mirava na mesma classe privilegiada afetada pela corrupção, porém com notável senso do grotesco: os diretores retratavam aquele ambiente como um hilário circo de horrores. Três Verões (2019), de Sandra Kogut, também olha para os empresários envolvidos em esquemas de lavagem de dinheiro, com o diferencial de jogar o foco nos empregados domésticos dos patrões, o que lhe confere distanciamento. No caso de O Buscador, não existe distância: o discurso é esfregado na nossa cara do início ao fim. Os empregados deste casarão são servis e ingênuos, enquanto os patrões e respectivos cônjuges se levam a sério demais. O filme se constrói com tamanha solenidade que não consegue perceber o absurdo de uma dezena de situações, sobretudo na catártica conclusão.
Na cena inicial, Giovanni (Pierre Santos) efetua uma atividade recreativa com crianças. Ele interpreta um herói de capa e espada, que luta contra vilões para resgatar a mocinha presa num castelo. A cena constitui um faz de conta, uma pequena metaficção lúdica. Ora, esta impressão de fantasia jamais abandona o filme, mesmo quando Giovanni, Max, Rita, Sabrina, Thiago e os demais personagens interpretam a si mesmos. Eles não parecem pessoas reais, apenas sátiras de ricos arrogantes. Ironicamente, a única alternativa fornecida à vida de iates, helicópteros, mansões e Rolex se encontra na comunidade hippie de amor livre, onde os moradores se banham nus num riacho, entoando uma canção alegre sobre a crença no amor. Embora a comunidade Osho Rachana exista de fato, ela constitui, por oposição ao núcleo abastado, uma oposição maniqueísta: de um lado se encontra o ninho de cobras, e do outro, a coletividade harmônica. Perto do final, durante uma briga acalorada envolvendo um revólver apontado aos hóspedes, a câmera assume o olhar subjetivo de Giovanni, dentro de um plano-sequência. Os personagens passam a encarar a câmera, incrédulos, e fazem uma pergunta ao câmera-personagem, que responde “não” mexendo a imagem lateralmente para a esquerda e a direita. O resultado é risível, ainda que se trate de uma cena buscando provocar grande tensão. Talvez seja isso que falte ao filme: nuance, reflexão, distanciamento em relação ao tema retratado. Resta um discurso vaidoso, satisfeito demais com seus malabarismos imagéticos e sua suposta crítica mordaz ao mundo contemporâneo.
Últimos artigos deBruno Carmelo (Ver Tudo)
- O Dia da Posse - 31 de outubro de 2024
- Trabalhadoras - 15 de agosto de 2024
- Filho de Boi - 1 de agosto de 2024
Muito legal. Sem papas na língua pra falar sobre família, inversão de valores, corrupção, e quanto as pessoas vão se perdendo dos seus corações. Me tocou muito e me lembrou daquilo que é mais essencial na vida! Vale a pena assistir.
Achei um filme forte e profundo, que escancara essa realidade familiar podre. Apesar dos detalhes de gravação, ele traz um conteúdo afiado pra refletir mesmo.. gostei muito, e saí tocada com o final!
Gostei muito do filme. Achei bobo no início mas ele te prende e envolve até o final! Conteúdo forte da hipocrisia familiar e crítica social atual. Amei ver a comunidade e o conteúdo de amor livre e relacionamento aberto exposto… a crise da família ai ver a filha nessa vida! Divertido e tb profundo e muitas vezes repugnante. Parabéns ao Bernardo Barreto!
Achei um conteúdo super profundo, realidade nua e crua, mostrando a real e os valores da nossa sociedade! E lembrei bastante da minha família! Fiquei emocionado e em vários momentos, principalmente no final surpreendente ! Filme está de parabéns!
Filme bom. Gostei da crítica. Retrata bem a sociedade brasileira. Bem estereotipada. Roteiro deixa a desejar, mas gostei do filme. Alguma coisa de dessincronização de áudio, mas nada q não se acostume. Mas mesmo assim gostei do filme. Achei diferente
Gostei muito do filme. Obra independente com um conteúdo crítico muito forte. Da uma esperança de que existe uma alternativa bonita, comunitária, pra caretice da instituição familiar.