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Crítica


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Sinopse

Sofrendo de um câncer terminal, uma mãe resolve registrar coisas importantes num caderno para seu filho. Ela documenta os momentos que os dois passaram juntos e faz questão de falar sobre a vida e a morte.

Crítica

Há certas premissas naturalmente dramáticas, então impostas como enormes desafios. O protagonismo de doentes terminais é uma delas. Como não errar nos tons diante de uma mãe desenganada pelos médicos? Um ajuste mal feito na encenação e/ou na forma de abordar pode representar, como gesto, apelo fácil às lágrimas. Em O Caderno de Tomy, o experiente cineasta argentino Carlos Sorín demonstra, ao menos, saber quais armadilhas deve evitar ao mostrar uma família em processo lento de desintegração por conta da deterioração física da matriarca. María (Valeria Bertuccelli) é diagnosticada com um carcinoma bastante agressivo, invasor que não pode ser extirpado e tampouco combatido pela quimioterapia. Portanto, resta a ela e ao marido, Fede (Esteban Lamothe), lidarem da melhor maneira possível com essa liturgia dolorosa pré-morte. E, a despeito de se valer de várias pequenas convenções, o filme sai-se bem diante da missão de evitar a construção de um dramalhão apelativo. Tanto que a relação mãe/filho está longe de ser seu elemento mais importante.

Aos intrigados por um suposto protagonismo do menino, suscitado pelo título, pode ser frustrante se deparar com a contenção imposta por Sorín nas cenas em que María interage com o menino. O tempero mais emocionalmente desbragado aparece exatamente na feitura do livro, nos registros dos conselhos à criança, como se a autora sofresse menos ao saber que deixará, enquanto legado, fortes indícios de quem fora enquanto vivia. O Caderno de Tomy passa a limpo as etapas desses meses derradeiros, acompanhando com comedimento variável os preparativos, as mudanças causadas pela evolução da enfermidade, tais como a gradual restrição de movimentos da doente e sua crescente falta de apetite. Nesse caminho, a figura do marido é essencial, inclusive como contrapeso. O sujeito é mostrado se equilibrando entre o sofrimento lancinante e a necessidade de assumir determinadas tarefas às quais é levado a responder prontamente. Desenhado com o cuidado para não soar frio, ele tem sua dor igualmente manifestada pela imposição de tomar certas atitudes.

Cena emblemática dessa moderação com a qual Sorín contorna arapucas intrínsecas à premissa, o instante em que Tomy (Julián Sorín) é deixado pelo pai no quarto para despedir-se. Antes de observar o encontro derradeiro, a câmera testemunha o suplício do marido/pai, situação expressada com profundidade por Esteban Lamothe. Valeria Bertuccelli, por sua vez, auxiliada pela maquiagem que a deixa com um verossímil aspecto de paciente terminal, condensa na ironia o contraponto à melancolia do homem. Valendo-se do Twitter para tornar público o cotidiano de luta inglória contra um inimigo sabidamente vencedor no fim das contas, sua personagem abraça intensamente a disposição por não deixar a doença modifica-la tanto. Perguntada por uma das amigas a respeito da capacidade de brincar naquela situação, ela arremata com “mas eu sou assim”, mostrando que o importante é manter-se o mais íntegra possível ao definhar. É por atentar a essas nuances e complexidades que o filme passa longe de ser um caça-níqueis baseado em fatos e best seller.

O Caderno de Tomy equilibra bem as camadas das tragédias oriundas da doença de María. Há o calvário físico da acamada, a tenacidade do esposo, a relativa impotência dos amigos e, próximo ao fim, uma discussão sobre responsabilidades, aumentada pelas características das redes sociais. A abertura descartável à contextualização breve da personalidade dos amigos – sobretudo vista na apresentação em vídeo destinado ao menino – surge como concessão, mesmo que o grupo tenha a considerável missão de ampliar nosso entendimento acerca de María, basicamente, a partir dos laços estabelecidos antes da doença ser diagnosticada. Embora expressiva, a reverberação pública dessa batalha travada num quatro de hospital, cuja vista dá à parte acinzentada da cidade, é somente sinalizada. Os tweet, por exemplo, se irmanam bem mais com a escrita do caderno do que servem para lermos o impacto das palavras da protagonista nos estranhos que se compadecem. Carlos Sorín cede aqui, deixa lugares-comuns aparecerem acolá, mas elege a sobriedade como central nesse retrato íntimo.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

Grade crítica

CríticoNota
Marcelo Müller
6
Ticiano Osorio
6
MÉDIA
6

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