Crítica
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Sinopse
Prestes a embarcar na política nacional, influente no governo regional, Manuel vê seus planos em risco quando a imprensa descobre seu envolvimento com um esquema de corrupção. Ele até pode cair, mas decide não cair sozinho.
Crítica
Manuel (Antonio de la Torre) é um homem profundamente corrupto. Figura importante dentro do partido que governa a Espanha, ele participa de esquemas de desvio de dinheiro, lavagem de dinheiro, suborno, tráfico de influência e tantos outros. Mesmo assim, ele não se parece em nada com a figura caricatural que o cinema e televisão gostam de criar para homens corruptos. Manuel não é perverso, não brinda à derrota do povo nem trata com desdém os familiares e próximos. Ele se assemelha a qualquer alto empresário que os brasileiros conhecem muito bem: um homem elegante, pragmático, capaz de apontar a corrupção dos outros sem jamais questionar os próprios atos. Ele acredita estar no direito de fazer tudo o que faz, porque as coisas acontecem assim, porque outros fazem ainda pior, porque ele é bom no que faz, porque teria direito ao enriquecimento. Quando o escândalo de suas atividades (praticadas em parceria com dezenas de outras pessoas) vêm à tona, o político fica indignado, e justifica a sua revolta: “Não é orgulho, é justiça!”. Manuel acredita ser injusta a sua prisão iminente, porque estima merecer todo o dinheiro e poder conquistados através de subornos e fraudes, o que tornaria os atos, de certo modo, legítimos.
Nada explica melhor as altas classes do que a crença profunda no direito de ocupar as altas classes, diria a sociologia. Não seria esta a definição principal da meritocracia, da seleção natural? No noticiário brasileiro, escutou-se recentemente uma mulher proveniente da dita burguesia defendendo o marido contra a interpelação de um policial: “Cidadão, não! Engenheiro civil, formado, melhor do que você!”. O Candidato (2019), drama espanhol que se transforma a cada minuto num suspense asfixiante, efetua um registro precioso deste tipo de pensamento. São as pessoas que consideram seus privilégios como devidos, enquanto os direitos dos mais pobres seriam privilégios. “Sou melhor do que você”, também pensa Manuel em relação aos companheiros de partido, no entanto, por ser político e habituado a transitar entre inimigos, ele não o diz. O roteiro consiste numa caçada de mais de duas horas, onde o homem prestes a cair de sua torre de cristal decide cair atirando. Ele possui pouco tempo para destruir as provas contra si e encontrar provas contra os ex-colegas. O diretor Rodrigo Sorogoyen jamais se preocupa com a ideologia deste partido e com as ações que teriam colocado em prática no país. “Que bando de gângsteres!”, se exaspera um personagem, reproduzindo o ponto de vista da direção. Retirando o zelo excessivo pela família e a proteção dos velhos contra os novos, o cenário descrito no filme realmente se assemelha a um drama de máfia.
Alguns méritos notáveis decorrem da abordagem do cineasta. A primeira se encontra na eliminação do maniqueísmo: nenhum personagem se revela particularmente malvado, ao passo que ninguém representa a pureza ou ingenuidade. Segundo, Manuel não constitui um caso excepcional, nem mesmo um homem mais astuto que os demais. Ao contrário das narrativas de exceção de Hollywood, que buscam os melhores entre os melhores (Wall Street: Poder e Cobiça, 1987, A Rede Social, 2010, O Lobo de Wall Street, 2013), este projeto oferece adversários igualmente qualificados para fazer frente ao protagonista. Assim, cada ação bem-sucedida de Manuel encontra um contra-ataque igualmente esperto dos adversários. Terceiro, a mídia não se encontra no papel conivente, sensacionalista nem salvacionista da maioria dos projetos da indústria. A repórter interpretada por Bárbara Lennie se revela astuta e violenta, sofrendo golpes tão duros quanto aqueles que desfere. Este roteiro coloca face a face uma dezena de personagens, cada um no ápice de seu talento de retórica e manipulação, lutando por interesse próprio. Assim, o embate entre personagens se revela bastante maduro e elevado. O roteiro evita explicar ao espectador algo que ele possa deduzir por conta própria: somos jogados no meio do turbilhão, sem conhecer o nome de cada um dos vários personagens envolvidos, nem as formações exatas de cada pen drive ou documento secreto.
Caberá a cada um montar as peças conforme a trama se desenvolve, em ritmo frenético, com a tensão aumentando cena após cena. O filme traz uma curiosa sensação de perda de referência: quanto mais perto Manuel chega da fuga e da impunidade, mais perto chegam os inimigos de incriminá-lo, como se ambos os lados efetuassem uma corrida contra o tempo. Sorogoyen aumenta o nível de tensão, aumentando a paranoia do político, os olhares incriminadores dos clientes de um restaurante, sem oferecer uma cena sequer que soe desnecessária ou arrastada. Rumo ao final, o diretor oferece três sequências espetaculares, em todos os sentidos do termo, e uma mais forte do que a outra: a cena da festa adolescente, o acidente de carro e o confronto com a repórter. O Candidato (fraco título, visto que a trama não se foca em eleições) aperta o nó entre personagens até a inevitável explosão. Antonio de la Torre entrega uma atuação excepcional, ao mesmo tempo rigidamente controlada e à beira da explosão, confrontando-se a um elenco afiado nos diálogos cínicos (Bárbara Lennie, Josep Maria Pou, Nacho Fresneda etc). Considerando que a trama se passa quase inteiramente entre jantares e reuniões, a prestação dos atores se torna fundamental, e o diretor consegue extrair do elenco um teor tão verossímil quanto multifacetado.
Se há um porém ao belo jogo cênico, ele se encontra na estética afetada. O diretor aposta em recursos válidos para preservar o clima de suspense, porém a sobreposição deles leva à saturação. A montagem frenética se combina com velozes movimentos de câmera e algumas captações na mão, excessivamente tremidas. A trilha sonora aposta num tema eletrônico que acelera artificialmente a tensão. Mesmo assim, o diretor ainda insere ruídos, diálogos sobrepostos e efeitos simulando batimentos cardíacos. O resultado alcança a inquietação desejada, ainda que através de uma manipulação exagerada na pós-produção. Em alguns instantes, o filme se assemelha ao Trainspotting: Sem Limites (1996) da corrupção político-partidária. Apesar de algumas concessões ao espetáculo, o resultado se revela um belo thriller, crente na capacidade do espectador em traçar seu próprio caminho de compreensão, enquanto evita a culpabilização e/ou redenção de Manuel (a cena final serve exatamente para interromper ambos os caminhos). Sorogoyen retira o prazer da sordidez, o deleite da ganância, para investir numa questão de negócios: por que eu não poderia desviar verba do gabinete, se todo mundo sempre faz isso? Por que parar agora? Por que a corda estouraria comigo? A naturalização do crime faz com que a trama não constitua um caso de exceção, e sim a representação de um sistema corrupto muito maior do que Manuel, e dentro do qual ele possui menos ingerência do que sua arrogância lhe permite admitir.
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