20140825 canhoneiro de yang tse papo de cinema poster

Crítica

Em 1966, quando dirigiu O Canhoneiro de Yang-Tsé, Robert Wise já havia ganhado por duas vezes o Oscar de Melhor Filme e Diretor – com Amor, Sublime Amor (1961) e A Noviça Rebelde (1965) – além de ter assinado produções memoráveis como Marcado pela Sarjeta (1956) e O Dia em que a Terra Parou (1951). Apesar de tantos louros para estas demais produções, o cineasta confessou certa vez que o título que mais o orgulhava em sua filmografia era O Canhoneiro de Yang-Tsé, indicado a oito Oscar, mas sem receber estatueta alguma. O porquê de sua predileção foi explicada pelo fato de ter sido dificílimo contar aquela história. E o resultado final foi tão recompensador que Wise dava festas anuais para os membros daquela produção – talvez se desculpando pelo inferno durante as filmagens. Com uma trama ambientada boa parte em um encouraçado, com gravações feitas em locação e demorando meses para encerrar a fotografia principal (quando os planos originais eram apenas algumas semanas), o longa-metragem que deu a única indicação ao Oscar para Steve McQueen foi traumática para o ator, que ficou de molho durante dois anos até voltar à frente das câmeras. Ao menos, todo o trabalho valeu a pena.

Na trama, baseada em obra de Richard McKenna e assinada por Robert Anderson, o engenheiro Jake Holman (McQueen) é transferido para o U.S.S. San Pablo em plena revolução chinesa e logo começa a perceber que a tripulação de marinheiros do encouraçado não é nada amistosa. Sem precisar trabalhar arduamente por causa da mão de obra barata dos chineses, a equipe vê em Holman uma figura perigosa, visto que ele demanda ficar perto dos motores do navio e fazer sua função, não deixando que outros o façam por ele. Seu comportamento arredio logo chama a atenção do capitão Collins (Richard Crenna), que não permite que ele mude o status quo dentro do Sand Pebbles (como os tripulantes chamam o San Pablo). Fazendo amizade apenas com um companheiro da marinha, o simpático Frenchy (Richard Attenborough), Holman enfrentará diversos problemas enquanto navega pelas águas agitadas da China revolucionária.

Filmado em Taiwan e Hong Kong, O Canhoneiro de Yang-Tsé ficou notório pelas incríveis tomadas capturadas in loco e pela atmosfera de tensão que Robert Wise consegue imprimir em boa parte da película. O clima de animosidade dentro do San Pablo é palpável e algumas fortes sequências (como o terrível destino do ajudante chinês de Holman) impressionam pela crueza – para uma produção da década de 60, ao menos. E se Steve McQueen nunca chegou a ser um ator multifacetado, ao menos consegue convencer como poucos na figura do rude, porém íntegro, Jake Holman. Sua amizade com Frenchy, bem como o senso de responsabilidade para com o trabalho, fazem do personagem uma figura interessante – visto que parece desconfortável com qualquer outro detalhe de suas funções, seja acatar ordens ou viver em comunidade.

O problema de O Canhoneiro de Yang-Tsé, além de sua quilométrica metragem, é a falta de uma linha mestra a ser seguida. Robert Wise parece atirar para todos os lados, sem conseguir manter a história nos trilhos. Existe tanta coisa acontecendo no filme que, por vezes, o próprio protagonista é esquecido. Mesmo que seja tocante a subtrama entre Frenchy e a indefesa Maily (Emmanuelle Arsan), é realmente necessário este desvio da trama principal? Uma narrativa mais econômica faria bem para este drama de guerra.

Apresentando uma novata e bela Candice Bergen, fazendo um par romântico um tanto esquisito com Steve McQueenO Canhoneiro de Yang-Tsé acaba sendo uma produção irregular, porém válida quando pensamos nos talentos envolvidos. Ainda que não tenha levado prêmio algum da Academia naquele ano (foi indicado inclusive a Melhor Filme), Robert Wise acabou levando uma estatueta especial, o Irving G. Thalberg Award, em 1967, pelo conjunto de sua obra. Mal os votantes do Oscar sabiam que o veterano cineasta estava longe de se aposentar e ainda faria muitos outros filmes interessantes no futuro.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista, produz e apresenta o programa de cinema Moviola, transmitido pela Rádio Unisinos FM 103.3. É também editor do blog Paradoxo.
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