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Crítica


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Sinopse

Kym é convidada a ser madrinha da irmã prestes a se casar. Por conta da celebração, ela é obrigada a retornar, carregando consigo uma série de conflitos pessoais e familiares que aos poucos acabam se manifestando.

Crítica

Existem filmes ruins. Existem filmes péssimos. E existe ‘Rachel Getting Married’. Assim, nessa mesma ordem...” Dessa forma minha amiga Ale Simas encerra a sua resenha sobre o filme O Casamento de Rachel, que finalmente estreou no Brasil, empurrado principalmente pela indicação ao Oscar da protagonista Anne Hathaway. Quando li pela primeira vez o texto dela, achei que estivesse exagerando. Mas, após assistir ao longa, simplesmente não consigo discordar de um único argumento dela. O trabalho do diretor Jonathan Demme (vencedor do Oscar pelo excelente O Silêncio dos Inocentes, 1991) é um arremedo de produção independente – o que, por si só, já virou um clichê! São sempre famílias disfuncionais, explorando problemas pessoais em situações constrangedoras. E sem acrescentar nada novo ou original à temática, tudo o que consegue é testar o limite da nossa paciência.

Apesar do título, Rachel não é o personagem principal. Esta é Kym, papel de Hathaway. A conhecemos no momento em que está deixando uma clínica de reabilitação após nove meses de confinamento. Viciada em drogas, foi uma estrela de cinema e televisão (?) na adolescência, e esteve envolvida num trágico acidente que causou a morte do irmão caçula. Mesmo não estando totalmente recuperada, consegue a licença para sair e participar do casamento da irmã (Rosemarie DeWitt). Só que ao chegar em casa, tudo o que se percebe é o início de uma competição entre as duas para ver quem recebe mais atenção, como crianças mimadas e malcriadas. Qual é a preferida do pai submisso e inseguro? Qual conseguirá atrair mais o interesse da mãe ausente e negligente? Qual irá monopolizar com melhor eficiência os holofotes da festa prestes a começar?

Demme já teve seu momento de estrelato e respeito no cinema mundial, mas há tempos vem demonstrando uma falta de habilidade em entregar trabalhos reverenciados. Desde o assustador suspense com Hannibal, o Canibal, seu único filme de destaque foi Filadélfia (1993), com Tom Hanks. Desde então vem realizando obras que frustram as expectativas –Bem Amada, com Oprah Winfrey – ou incompreendidas – Sob o Domínio do Mal (2004), com Denzel Washington e Meryl Streep. E após tantos deslizes, parece estar redirecionando sua carreira pelo viés documental, já tendo mirado seu olhar para personalidades como Neil Young e Jimmy Carter (atualmente está filmando um sobre Bob Marley). E foi esta experiência que ele traz para O Casamento de Rachel, uma tentativa visível de se reinventar enquanto cineasta de ficção. O que vemos é algo cru, amargo e desprovido de tratamentos que pudessem facilitar a entrada do espectador naquele mundo. Somos jogados naquela realidade, sim, mas de forma incômoda e forçada.

O que se percebe em O Casamento de Rachel é muito mais a busca por um sentimento, de uma ambientação, do que em seguir um enredo particular. A sensação é de estar presente nesta cerimônia insuportável e interminável. E sem conseguir sair, tudo o que nos resta é torcer para que ela se encerre da forma mais rápida e indolor possível. E, quando nos damos conta, o anúncio da tempestade foi mais alarmante do que a tormenta em si. As discussões são bobas, os personagens são fracos e antipáticos, e a identificação praticamente inexiste. Assisti-lo é um exercício de masoquismo.

Mas nem tudo é desastre. Há méritos, sim, e os principais são os desempenhos do quarteto principal de atores. Hathaway oferece um registro nunca antes visto em sua carreira, com uma fúria interna violenta, ao mesmo tempo em que observamos sua falta de rumo e de possibilidades. Foi premiada no National Board of Review, no Broadcast e pelos Críticos de Chicago e de Southeastern. A inclusão dela entre as finalistas do Oscar talvez pudesse ser discutida (a concorrência neste ano foi complicada), mas sua performance é digna da lembrança. Já os poucos conhecidos DeWitt e Bill Erwin (ela premiada pelos Críticos de Toronto e no Satellite, ele indicado pelos Críticos de Chicago) são dois coadjuvantes de peso, que mostram em papéis difíceis um potencial imenso. E, numa proporção menor, temos uma breve participação de Debra Winger (indicada ao Independent Spirit Awards), uma grande atriz que há mais de uma década não tinha um bom papel no cinema. Indicada três vezes ao Oscar, ela retorna demonstrando um vigor discreto e elegante. Os quatro atores salvam O Casamento de Rachel da completa catástrofe.

Estereotipado – branca casa com negro, decoração com motivos indianos e escola de samba no meio da festa? Repetitivo – quantas sequências de música são necessárias para captarmos a ideia? Circular – volta e meia há um novo discurso na reunião dos viciados, há uma nova briga entre a família, há um novo acerto de contas entre as irmãs. São vários os problemas que podem ser apontados. Mas talvez o melhor mesmo seja lamentar o ocaso de um grande realizador que sucumbiu sob suas próprias invencionices e falta de habilidade em lidar com um universo que obviamente desconhece. E do qual não há necessidade alguma de nos inteirarmos.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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