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Sinopse

Acusados injustamente por um crime, dois irmãos são torturados e brutalizados psicologicamente pela polícia.

Crítica

São Paulo: Sociedade Anônima (1965) é um dos clássicos do cinema brasileiro, aparecendo em qualquer lista das melhores produções nacionais de todos os tempos. Urge então que outro dos filmes de Luis Sérgio Person também ganhe esse status de obra-prima, e este é O Caso dos Irmãos Naves. Realizado dois anos depois da estreia do diretor, o longa-metragem é atualíssimo, mostrando como o poder desenfreado pode esmagar o homem mais íntegro, como a injustiça pode ser executada por sujeitos que deveriam exatamente lutar pelo contrário, como a pesada mão da ditadura pode destruir as vidas de tantas pessoas.

Cena do filme O Caso dos Irmãos Naves

Na trama, baseada em fatos reais, adaptada da obra de João Alamy Filho, e assinada por Jean-Claude Bernardet e Luis Sérgio Person, Joaquim (Raul Cortez) e Sebastião (Juca de Oliveira) são acusados de um crime que não cometeram: o assassinato de Benedito, rapaz que carregava consigo 90 contos de réis. Ele, na verdade, deixou a cidade sem avisar e sua ausência despertou desespero em seus familiares. Com a chegada de um novo Tenente (Anselmo Duarte) na cidade, os Naves são chamados para depor e depois trancafiados pela polícia, que tem certeza de que os irmãos são responsáveis pelo crime. Torturando os rapazes para conseguir uma confissão, aquele “homem da lei” faz o que bem quer, principalmente quando entende que a justiça da cidade de Araguari (no interior de Minas Gerais) não é nada atuante. Isso até surgir o advogado de defesa Alamy Filho (John Herbert), que fará de tudo para tirar aqueles rapazes inocentes da prisão.

Quem conhece um pouco da história do Brasil deve saber que o caso dos irmãos Naves foi tido como um dos maiores erros judiciários do país. Foi capa de jornais e revistas na época e mostrou-se um vergonhoso capítulo daquela terrível ditadura do governo Vargas. Curiosamente, Person filma este longa durante outra ditadura, a militar. Cineasta inteligente, conseguiu incluir cenas fortes de tortura, mostrando o braço pesado do poder totalitário no país em um período de igual repressão. Por essas e outras, o longa-metragem se mostra um corajoso manifesto contra poderes cerceadores. É impressionante, inclusive, que os militares da época não a tenham barrado.

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Com um elenco soberbo, Person constrói um filme de tribunal, confiando plenamente nas qualidades de seus protagonistas. John Herbert é o nosso Jimmy Stewart, vivendo um advogado acima de quaisquer suspeitas, íntegro e infalível na busca da justiça. O seu discurso final durante o julgamento dos irmãos Naves é de uma intensidade ímpar, fazendo com que torçamos por sua vitória (muito embora já saibamos do resultado). Herbert encontra seu páreo na figura austera e sádica do Tenente vivido por Anselmo Duarte, um homem destituído de compaixão ou respeito pela integridade humana. Em uma das cenas mais fortes, ele observa com tranquilidade Sebastião ser puxado pelos lábios com uma turquesa. Juca de Oliveira e Raul Cortez, por sua vez, convencem ao sofrer o pão que o diabo amassou nas mãos da polícia.

Mesmo sendo um filme com trama tradicional – diferente dos arroubos criativos de São Paulo: Sociedade AnônimaO Caso dos Irmãos Naves guarda na manga uma montagem muito bem elaborada, com cortes rápidos que nos transmitem o sofrimento por que passam as vítimas daquela barbárie. Outro ponto digno de nota é o ritmo forte empregado por Person, que nunca deixa a história cair. Diretor cinéfilo, aqui ele busca referências em Sidney Lumet em Doze Homens e uma Sentença (1957) para conceber o seu próprio filme de tribunal.

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Datado apenas pela narração abundante do início da trama, O Caso dos Irmãos Naves é uma obra-prima do cinema brasileiro, que deve ser revisitada quase cinquenta anos depois do seu lançamento. Com nova cópia restaurada pela Cinemateca Brasileira, o longa-metragem tem tudo para encontrar um novo público e ocupar o lugar que merece na lista dos grandes filmes nacionais – algo que a Abbracine, Associação Brasileira de Críticos de Cinema já começou a fazer ao colocá-lo como um dos 100 melhores títulos de todos os tempos da nossa cinematografia. Resta agora o público reencontrar esta bela produção, tida pelo próprio Person como seu filme mais bem acabado.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista, produz e apresenta o programa de cinema Moviola, transmitido pela Rádio Unisinos FM 103.3. É também editor do blog Paradoxo.
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