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Crítica


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Sinopse

Monika se muda para Dublin, na Irlanda, aos 13 anos de idade. Contra a vontade da mãe, uma famosa pianista, ela sonha em cantar num castelo e, talvez, pavimentar seu caminho ao estrelato.

Crítica

No começo de O Castelo dos Sonhos, o estrangeirismo é bem demarcado. A pré-adolescente lituana Monika (Barbora Bareikyte) mora com a mãe, Jolanta (Gabija Jaraminaite), e a avó (Jurate Onaityte) na Irlanda. Na fase de apresentação, a cineasta Lina Luzyte realça o desconforto de estar longe da terra natal, vide a sutileza dos constrangimentos aos quais a menina é imposta pelas colegas e as conversas com os circundantes também vindos de fora. Almejando uma carreira artística, a protagonista fica extremamente empolgada ao receber o convite de um produtor musical para apresentar-se num castelo. Em jogo, a oportunidade de retomar coisas que o exílio dificulta, sendo a principal delas justamente a possibilidade de ser cantora. Em virtude das contingências de uma realidade em que a pura e urgente sobrevivência vem em primeiro lugar, a genitora, por exemplo, precisa momentaneamente deixar de lado a vocação como virtuose do piano e trabalhar numa fábrica local. A filha, por sua vez, vivendo numa fase anterior à adolescência, ainda conserva o idealismo.

Aos poucos, a circunstância de expatriada perde imprescindibilidade, voltando às vezes com a inclusão de outros que não têm a Irlanda como pátria mãe. Portanto, de engrenagem essencial, a característica vira um dado de contexto. O que passa a ocupar o espaço vital é o fato de termos uma história quase impermeável à experiência masculina. O núcleo central é formado por três mulheres, de idades e bagagens de vida bastante distintas. Monika é aquela que anseia pela trajetória romântica do usufruto de seu dom; Jolanta está prestes a largar tudo diante das exigências de ser adulto, as mesmas que não levam em consideração habilidades e pré-disposições; a avó, no que seria um terceiro estágio feminino dentro dessa configuração simbólica gradual, sofre de alguma condição de saúde mental que lhe aliena da realidade. Ela tem saudade da Lituânia, tanto que passa a dirigir-se ao mar, magnetizada/encantada, formando a imagem poética de alguém que nem a morte poderia impedir de investir no retorno. Quanto aos homens, eles são somente tolos figurantes/sintomas.

A vizinha que volta para casa com um olho roxo traz consigo a “imagem” do macho agressivo. A configuração da casa de Monika leva à percepção do masculino como aliado da ausência. Entretanto, Lina Luzyte não se empenha para que essas pistas à intuição se intensifiquem ao ponto de delinear um painel denso. Assim como dilui o estrangeirismo ao privilegiar a dinâmica feminina, ela investe menos do que poderia nas turbulências pessoais da protagonista diante de um cenário completamente desfavorável às suas aspirações. Após perder o apoio da mãe, com quem ensaiava formar uma dupla nos palcos, ela erra pela cidade em busca de subsídios. Sua incursão pela casa de prostituição acaba sendo uma peculiaridade sem tanta reverberação. De modo parecido, o estratagema bolado para extorquir a mãe e ter o dinheiro necessário para viabilizar o querer é desvelado como se não estivessem implicadas mais que noções rasas relativas à maturidade. O que realmente a leva a sequestrar a própria avó e a chantagear seu ente mais querido? Essa indagação ganha pouco lastro.

O que sobressai positivamente em O Castelo dos Sonhos é a sobriedade de um relato que facilmente, em vários instantes, tende a descambar ao extremo. Embora nem sempre consiga dosar as variações entre apatia e introspecção, Lina Luzyte sai-se relativamente bem ao permitir à Monika não ser determinada como uma inconsequente teimosa que precisava provar a si a capacidade de subverter o direcionamento materno. Ainda que não mergulhe tanto nessas frestas bem sinalizadas, ela evita que a jovem seja tachada ou reduzida sem o benefício da tridimensionalidade. O encerramento soa como mera tentativa de puxar o tapete do espectador, inclusive por conta dos poucos indícios prévios de que havia algo de singular no convite que motiva a jornada da lituana. Não funciona tão bem, pois o turbilhão imediato, feito de surpresa, incredulidade e frustração, fica soterrado pelo dado imprevisto, assim não sendo suficientemente otimizado. Mas, para compensar, a cena final é de uma beleza ambivalente. De um lado, a misericórdia. Do outro, a conveniência. Algo a interpretar.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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