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Crítica


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11 votos 7.6

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Sinopse

Depois de corrompidos pelo livro obscuro de Cipriano, um jesuíta e seus seguidores começam um reinado de horror no Brasil colonial. Eles são amaldiçoados e condenados a viver eternamente sob os túmulos de um cemitério.

Crítica

Há algo de muito evocativo no cinema de Rodrigo Aragão. Em O Cemitério das Almas Perdidas, o castelo gótico no topo da colina nos arremessa diretamente às produções de Roger Corman, Mário Bava e às assinadas pela Hammer, isso para citar apenas três pontos de contato. Já o ímpeto censório das beatas horrorizadas com o espetáculo mambembe remete prontamente à época em que o gênero sofria distorções brutais nas mãos dos sujeitos encarregados de defender “a moral e os bons costumes” durante a ditadura civil-militar brasileira. Já que o filme é dedicado ao saudoso José Mojica Marins, pode-se entender a sequência dos artistas mudando drasticamente as falas para adequar o show à preconcepção carola e religiosa da plateia hostil como uma menção à concessão que Mojica teve de fazer à censura para Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver (1967) ser liberado à exibição. A citação de Deus num espetáculo que inicialmente intenta despertar medo recreativo criar um ruído, cujo contorno caricatural está a serviço dessa menção que expõe o ridículo do cerceamento.

A natureza evocativa catalisa o fetichismo. Mais que a trama – entrelaçando enredos temporalmente distintos, mas convergentes em instantes-chave – a Aragão parece ser vital tornar gestos o mais admissíveis possível, porém, paradoxalmente, dentro da lógica que celebra, desbragadamente, o artifício como uma potência narrativa. Os cenários de O Cemitério das Almas Perdidas são construídos com um esmero impressionante, inclusive capacitando o espectador a mergulhar de cabeça num mundo fantasioso repleto de feitiços, monstros encarcerados por conjurações e demais engrenagens do fantástico. Igualmente excepcionais são a maquiagem, a caracterização dos personagens feitos sobrenaturais por forças insondáveis, e a valorização dos efeitos da violência, tais como cortes profundos, desmembramentos ocasionados por machadadas, em suma, dos resultados dos ataques que fazem desse universo crível e intenso. Portanto, do ponto de vista estético, das apropriações e pontes que o realizador faz com cânones do gênero, o filme sai-se bem, chegando a empolgar.

Os pontos fracos de O Cemitério das Almas Perdidas dizem respeito ao roteiro e a aspectos diretivos. Primeiramente, é truncado o entrelace das dinâmicas. A aposta numa experiência mais visual e potencialmente catártica, inclusive, é evidente pela forma como Aragão passa rapidamente pela lógica das beatas – com direito à revelação que engatilha possibilidades muito interessantes –, enquanto reitera a atuação das criaturas enclausuradas nos domínios do castelo por conta da ação corajosa de um jesuíta. Do mesmo jeito, deixa um pouco a desejar a disposição de certos mecanismos curiosos, como a indígena trágica, importante ao lastro histórico e enquanto elo com o menino negro. Desdobramentos acontecem rápido demais, esvaziando em alguma medida subtextos, intenções e desenvolvimentos. Num par de momentos, Aragão telegrafa a ameaça, apontando a câmera a um ponto segundos antes de algo surgir inesperadamente, neles perdendo a oportunidade de engrandecer perseguições, ataques e afins, priorizando clímax sangrentos.

O massacre indígena é bem mais impactante como gesto isolado e imagem decorrente (corpos empilhados e ensanguentados), pois Rodrigo Aragão não busca compreender aquela torrente de selvageria etnocêntrica dentro de uma perspectiva ampla. O Cemitério das Almas Perdidas encontra seu rumo ao concentrar-se na iconografia, no que tange ao conjunto de signos, numa filiação deliciosa a tradições do horror. Exatamente por isso, Renato Chocair é o grande destaque do elenco, porque seu personagem, o sujeito apropriado de modo megalomaníaco do livro e do nome de Cipriano, aparece como uma personificação ao mesmo tempo alusiva e bastante emblemática. Allana Lopes tem pouco espaço para desenvolver o drama de Aiya, indígena que poderia ser melhor tratada como símbolo da sangrenta biografia brasileira. Não é pela falta de conexão consistente com o real conjurado que o filme acaba não tendo êxito maior, mas por conta de um desequilíbrio entre a eficácia enorme da concepção estética e o não tão competente desenrolar da trama com vários prismas.

 

Filme visto online no 10º Cinefantasy, em setembro de 2020

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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