Crítica
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Sinopse
Solitário no Ártico investigando fenômenos interligados, Augustine precisa evitar que astronautas voltem para a Terra bem no meio de um cataclismo global.
Crítica
Ao olhar para o céu, durante o dia é tão claro, que pouco é possível observar, pois a luz que emana do sol tudo apaga, permitindo apenas a sua própria contemplação. Durante à noite, no entanto, quando o astro-rei se afasta – ou melhor dizendo, nós é que, seguindo a rotação da Terra, nos bandeamos para o lado oposto – é na escuridão que, paradoxalmente, aquilo ao alcance dos olhos se torna mais visível: as estrelas, a lua, os corpos celestes, estáticos ou em movimento. Uma boa analogia do que se pode enfrentar no sentido inverso desta equação, quando o homem, ao invés de buscar lá fora, decidir mirar em si atrás de soluções para os problemas por ele mesmo criados. O Céu da Meia-Noite é tanto uma coisa quanto a outra, um filme que mostra os esforços de uns dispostos a irem o mais distante possível, assim como do que, após ter dado tudo de si, decide abrir mão do que lhe é mais precioso. E quando nada mais parece fazer sentido, uma leve brisa será capaz de provocar a maior das mudanças.
O longa dirigido e estrelado por George Clooney marca sua volta aos cinemas, do qual estava afastado desde Suburbicon: Bem-Vindos ao Paraíso (2017) – como cineasta – ou O Jogo do Dinheiro (2016) – como intérprete. Um retorno em termos, aliás, pois se o projeto foi pensado para a tela grande, o que se vê agora, diante um ano caótico no qual todos precisaram encontrar meios alternativos para seguirem na ativa, é um lançamento em parceria com a Netflix, chegando em streaming a milhares de pessoas ao redor do mundo. Baseado no livro Good Morning, Midnight (algo como Bom Dia, Meia-Noite), de Lily Brooks-Dalton, eis aqui uma história – ou duas (ou mais), dependendo do ponto de vista – que fala com propriedade sobre muitos dos dilemas pessoais pelo qual o artista tem lidado nos últimos tempos. Neste hiato durante o qual esteve afastado dos principais holofotes, o galã vencedor do Oscar consolidou seu casamento, se tornou pai de um casal de gêmeos, trabalhou em um projeto que há muito sonhava (a minissérie Catch-22, 2019, indicada ao Emmy, Globo de Ouro e Critics Choice) e redefiniu prioridades.
Por tudo isso, não chega exatamente a causar surpresa vê-lo envolvido em um conto povoado por promessas não cumpridas e arrependimentos atrasados, sentimentos que se manifestam, entretanto, cercados por altas doses de esperança e espíritos renovados. No começo, o espectador irá se deparar com Augustine (o próprio Clooney, entendendo que o menos tem muito mais a oferecer), o último habitante de uma base de pesquisas no Ártico. Sem maiores explicações, o que logo fica claro é que estão todos indo embora: não dali, nem da região, quem dera do país: do planeta, mesmo. O mundo tal qual se conhecida está fadado à extinção, e nesse futuro não muito distante, se não há mais o que fazer, o melhor a ser feito é ir em diante. Mas não Augustine. Ele já fez o que acreditava estar a seu alcance. E por isso decide ficar. Sozinho. Ou, ao menos, é o que pensa. Pois quando julga não ter mais ninguém por perto, encontra a pequena Iris (a revelação Caoilinn Springall). Teria sido ela deixara para trás, esquecida por pais negligentes, ou permanecido por vontade própria?
Ao mesmo tempo, uma espaçonave segue em seu percurso de volta ao lar. Nela, cinco astronautas tem muito com o que se preocuparem. Sully (Felicity Jones, que realmente estava grávida durante as filmagens, mostrando-se à altura do desafio assumido), a capitã, está de olhos atentos naqueles ao seu redor – e na vida que carrega dentro de si. Adewole (David Oyelowo, capaz de gerar a empatia necessária ao personagem) é o braço direito, o que nela acredita acima de qualquer outra coisa. Mitchell (Kyle Chandler, mais uma vez vivendo com esmero o pai de família preocupado com os seus até a última instância) sabe bem com o que se comprometeu, assim como Sanchez (Demian Bichir, combinando força bruta com ternura), aquele que tem certeza dos motivos que o levaram até ali. Por fim, Maya (Tiffany Boone, de Hunters, 2020) é pura juventude, e é sabido que esse frescor tem um preço a ser pago. Esse grupo está há tanto tempo afastado, que nem imagina o que os espera – e nem os perigos que o caminho de volta lhe reserva. Enquanto a maioria anseia pelo momento de partir, estes querem apenas uma coisa: voltar.
Há mais conexões entre estas duas linhas narrativas – o dois perdidos no meio da neve, que buscam desesperadamente um modo de se comunicar, e os cinco nas alturas, que acreditam estarem no fim de uma longa jornada – do que uma leitura rápida do enredo pode antecipar. Se o roteirista Mark L. Smith (do oscarizado O Regresso, 2015, e do exagerado Operação Overlord, 2018) não é particularmente reconhecido pelo uso de sutilezas, a parceria com Clooney parece lhe ter feito bem. O Céu da Meia-Noite é um filme urgente, mas que sabe que de nada adianta correr quando as peças já estão nos seus devidos lugares e tudo o que resta, afinal, é esperar pelo efeito que elas podem – e devem – provocar. A sintonia de um elenco mínimo, mas preciso, e uma trama que combina tanto sonho como realidade, futuro com passado, sem nunca esquecer do presente, faz do todo uma legítima surpresa, daquelas que não apenas permite o proveito, mas também a admiração e o deleite de tê-la vivenciado.
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