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Crítica

A primeira sequência de O Céu Sobre Mim denota ambição. Ambição de mostrar os dramas humanos como parte diminuta de uma engrenagem universal, de deflagrar nossa pequenez diante da imponência de planetas e estrelas. A viagem que nos leva do longínquo até a casa do protagonista deixa claro que ali, no que parece um pedaço da Itália incrustado no Brasil, os infortúnios de Gregório (João Cândido Portinari), ainda que importantes a ele e aos que o cercam, não passam de um ponto quase insignificante. A ideia é muito boa, esta de relativizar o sofrimento da espécie, colocando-o em perspectiva com a grandiosidade do sistema solar e além. Uma pena, então, que o filme não consiga minimamente dar seguimento àquilo que o início explicita, ao se aproximar de maneira errática das pessoas e de suas eventuais complexidades.

Já na Terra, Rei Lear, de Shakespeare, é encenada num teatro improvisado. Gregório, na plateia com a neta, é um homem da ciência, passa os dias a fazer cálculos para monitorar os astros, embora não consiga manter seus relacionamentos amorosos, ou seja, vive o macro e desconhece (ou despreza) as regras do micro espaço. É por meio de suas quatro últimas mulheres que vemos esse panorama de desacerto. Cada qual com a própria personalidade, elas têm a mesma dificuldade com esse homem que, inclusive, confessa lá pelas tantas: “não há nada mais doloroso do que não conseguir dar amor a quem se ama”. Dito dessa maneira, pode parecer que o filme consegue estabelecer as relações, que abraça as possibilidades proposta pelo tema. Infelizmente não é bem assim, aliás, não é nada assim.

O Céu Sobre Mim é um filme bastante problemático. A começar pelas atuações, que variam das pífias, como a do estreante Portinari, às histriônicas, como a de Guto Basso, ator que faz o papel de uma espécie de bufão, fiel escudeiro do protagonista que, por questões logo óbvias, aparece em cena muito mais que o próprio Gregório. Digo óbvias, pois não demora muito para percebermos que o filho do grande pintor não tem qualquer traquejo como ator, tanto que Gian Vittorio Baldi, cineasta italiano que já trabalhou com Pasolini e Godard, evidentemente o esconde. Trabalhar um personagem extracampo é uma atitude admirável, desde que a não presença do mesmo seja tão ou mais forte que sua presença. Em O Céu Sobre Mim isso não soa como escolha, mas como falta de.

Outro ponto bastante questionável que, paradoxalmente, aponta à única qualidade latente do longa, é a intromissão incessante de animações que visam ligar os segmentos. A excelência técnica do procedimento não encontra eco em sua pretensa importância dramática. Algumas ajudam a mover a trama adiante, já outras nem isso, como a totalmente deslocada referência à Greenaway e à sua visão apocalíptica sobre o futuro do cinema ou mesmo a intervenção, também pessimista, do fragmento de uma entrevista de Pasolini. Esses pedaços soam jogados aleatoriamente, como tentativa de recuperar certa grandiosidade do começo. Não funciona, e o filme pouco a pouco, e cada vez mais, é tragado para um buraco negro.

O Céu Sobre Mim é, assim, um amontoado de equívocos. Até mesmo o trabalho de profissionais bastante experientes, como Fernanda Carvalho Leite, não funciona dentro dessa conjuntura em que, por exemplo, a direção de atores inexiste. Sobram à realização momentos gratuitos, como a nudez da própria Fernanda, a sequência totalmente anódina no Deserto do Atacama, no Chile, e até mesmo as cenas nas quais Shakeaspeare é declamado em inglês. Uma pena, pois esta coprodução Brasil/Itália, dirigida por um artista com larga experiência de cinema, poderia resultar em algo minimamente alinhado às suas pretensões. Nada contra pretender algo, muito pelo contrário, pois a grande arte geralmente é mesmo pretensiosa. Mas o que a faz grande é o alcance daquilo que almeja, o que não ocorre com O Céu Sobre Mim, cujo resultado é inversamente proporcional à grandeza de sua proposta.

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