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Crítica


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35 votos 7.4

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Sinopse

Grace tem de lidar com seus futuros enteados num fim de semana de isolamento. Eles ficam no chalé da família na qual ela está prestes a entrar oficialmente. Eventos bizarros começam a tornar quase insuportável a permanência.

Crítica

Indo na contramão do senso comum, mas aderindo a uma recorrência nos filmes de horror, O Chalé entende signos religiosos como indícios da repressão vinda dos dogmas. Assim como A Bruxa (2015), o longa assinado por Severin Fiala e Veronika Franz atribui à iconografia cristã uma intimidatória carga retórica. Diante do suicídio da mãe – evento apresentado numa tomada seca, de clímax tão duro quanto repentino –, a pequena Mia (Lia McHugh) chora compulsivamente porque à falecida supostamente não estarão abertas as portas do céu. Obviamente a menina sente falta da genitora que acabou de tirar a própria vida num arroubo brutal de desespero, mas sua tristeza é acentuada sobremaneira por conta do preceito que nega descanso eterno aos que não suportaram o peso de existir. A cruz ornamentando o pátio da capela mortuária, filmada num contra-plongée radical, parece uma espada ameaçadora encravada na dor propagada por choros e gestos de saudade. Salientando essa observação, a boneca (uma metáfora da mãe) que não decola, pois seu peso é demasiado.

Mas não é apenas diante de imagens e lógicas sacras que a dupla de realizadores deixa evidente um bem-vindo cuidado com a atmosfera. Um ponto a ser ressaltado é o achatamento simbólico dos personagens pelo cenário cuja exiguidade denota algo sufocante. Geralmente os tetos parecem baixos, principalmente quando há a necessidade de intensificar discussões ou afins. Na cena em que Laura (Alicia Silverstone) é informada pelo ex-marido, Richard (Richard Armitage), do casamento que está para acontecer, o confinamento dos personagens sublinha essa tensão que naturalmente nasce da revelação inconveniente. O delineamento do clima de incertezas é o grande trunfo de O Chalé, filme que propõe uma série de possibilidades, demorando deliberadamente para confirma-las ou rechaça-las. É um estratagema que leva o espectador a eventualmente ter dificuldades, por exemplo, para determinar qual a ameaça vai pairar sobre a futura madrasta e os enteados levados a conviver numa cabana isolada. E essa artesania mantém constante a densidade do suspense.

Severin Fiala e Veronika Franz nos enchem de probabilidades antes de encerrar as pessoas num lugar perigoso por conta da nevasca intermitente, aliás, dado que remete diretamente a O Iluminado (1980). A dupla trabalha com habilidade a disposição dessas alternativas que vão desde espírito(s) obsessor(es), passando por uma traquinagem infantil e chegando ao desvario daquela que foi criada no seio da família de crentes fanáticos. Curiosamente, as duas primeiras opções passam pela lógica da vingança, da desforra, enquanto a última aponta diretamente a um descontrole psíquico mencionado singelamente pelo consumo diário de remédios imprescindíveis. A ambiguidade é um elemento importante no desenho desse mundo ao qual somos convidados a participar sem ter posições definidas. Ademais, o comportamento da câmera, frequentemente se aproximando e se distanciando lentamente, num misto de fascínio e receio, somado à eficiência da trilha sonora a cargo de Danny Bensi e Saunder Jurriaans, sustenta nosso interesse para além do mero enredo.

Outro componente bem elaborado em O Chalé é a semelhança entre Alicia Silverstone e Riley Keough. Há algo de inquietante nessa afinidade, um prenúncio do trágico. Já Jaeden Martell e Lia McHugh desempenham papeis essenciais, ora demonstrando a fragilidade dos personagens saturados pelo luto, ora fomentando nas entrelinhas a dúvida quanto à pretensa posição passiva ocupada na companhia da noiva do pai. Especialmente ao restringir o trio ao chalé – que está mais para mansão apartada da civilização –, Severin Fiala e Veronika Franz ocasionalmente estendem um tanto demais algumas passagens encarregadas de oferecer respiros e áreas de reflexão em meio àquele torvelinho de dúvidas e opressões somadas. Todavia, afora esses momentos em que a observação dos efeitos imediatos (e gradativos) prevalece sobre a injeção de angústia, o filme decorre de uma articulação inteligente das engrenagens vitais de dois gêneros. A dupla de cineasta faz o horror confabular com seu irmão suspense até a deflagração objetiva (será?) da ameaça monstruosa, resultado de louvores cegos.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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