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Crítica

No final dos anos 1970, Renato Aragão ainda não havia entendido que o segredo do sucesso dos Trapalhões estava justamente no conjunto dos seus quatro integrantes e em suas diferentes personalidades, que combinadas geravam um resultado maior do que seus talentos individuais. Tanto é que, apesar do primeiro filme com o título no plural ter se saído bem nas bilheterias – Os Trapalhões na Guerra dos Planetas (1978) – no ano seguinte já voltava ao foco exclusivo nele. E o resultado é esse O Cinderelo Trapalhão, longa que apenas recicla sem muita criatividade a fórmula até então consagrada dos títulos do grupo, centrando-se demais no protagonista e ainda receoso em abrir maior espaço aos seus coadjuvantes.

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Veja, por exemplo, o título lançado dois anos antes: O Trapalhão nas Minas do Rei Salomão (1977). A estrutura narrativa básica deste é exatamente a mesma de O Cinderelo Trapalhão. Em ambos, uma moça bonita em desespero sai à procura de ajuda e acaba tomando os nossos heróis como valentões invencíveis, confiando neles o mal que a aflige. Mesmo sem muita prática, eles acabam aceitando o desafio, e partem contra vilões muito mais poderosos, porém fracos de espírito que serão derrubados pela boa índole deles e pela malandragem que também dominam. No final, quando Didi acha que vai se dar bem com a mocinha, ela acaba caindo nos braços de algum galã de ocasião, apenas para que ele termine se resignando com sua falta de sorte e volte ao convívio com os outros três amigos. Se no primeiro exemplo o problema era que o pai da garota havia desaparecido ao partir em busca dos tesouros anunciados no título da aventura, dessa vez temos uma família que está sendo ameaçada por um fazendeiro que quer tomar as terras deles por acreditar que nelas será possível encontrar petróleo. A ameaça deixa de ser tão fantasiosa e o tom de crítica social ganha maior destaque, mas em resumo um é apenas o repeteco do outro.

Ainda assim, é interessante a tentativa do diretor Adriano Stuart (no segundo dos cinco filmes que fez com o grupo) de criar um tom de fábula ao redor da história. Cinderelo, o protagonista, assim como sua famosa contraparte feminina, é desprezado por seus melhores amigos – Dedé, Mussum e Zacarias – por não ser tão bonito, valente ou inteligente. O que lhe falta, no entanto, é apenas uma oportunidade. Tanto que, quando essa se apresenta, ele não só aproveita como faz de tudo para que ela renda o máximo a seu favor. Quando os personagens de Paulo Ramos (o bonitão), Maurício do Valle (o sábio) e Cristina Rocha (a bela) vão procurá-los em busca de ajuda, ali estão por causa dele. Mas rejeitado do jeito que é, acaba sendo deixado de lado pelos pretensos colegas. Assim, terá que arrumar um jeito de agir por conta própria, infiltrando-se entre os capangas do coronel para atuar quase como um agente duplo. No meio dessa confusão, acaba atraindo a confiança da sobrinha do milionário (Silvia Salgado), que passará a auxiliá-los.

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Será justamente nessa tentativa de aproximar o enredo do conto de Cinderela – lá pelas tantas irá surgir um príncipe, um baile e até um sapato perdido – que O Cinderelo Trapalhão revela suas maiores fragilidades. É compreensível buscar humor através da paródia – e esse tipo de esforço era recorrente no cinema de Renato Aragão e equipe, como visto em títulos como Simbad: O Marujo Trapalhão (1975) e Robin Hood: O Trapalhão da Floresta (1973), por exemplo. Mas o que se percebe, enfim, é um desgaste do estilo. Tanto que nos anos seguintes eles cada vez mais perseguiriam enredos originais e adaptações próprias, até atingir resultados notáveis, como o visto em Os Saltimbancos Trapalhões (1981). Cronologicamente, a distância nem foi tanta. Mas artisticamente falando, havia ainda um longo caminho a ser percorrido.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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