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Sinopse

Uma família sequestra pessoas ricas, cobra o resgate e assassina as vítimas assim que coloca a mão no dinheiro. Tudo acontece sem percalços até que um dos filhos coloca em xeque essa ação.

Crítica

Uma das primeiras diretrizes ensinadas nas escolas de roteiro é que “a realidade não precisa ser verossímil, enquanto que a ficção, sim, possui essa obrigação”. Ou seja, certas histórias, ao serem adaptadas para a tela grande, por mais que sejam baseadas em eventos absolutamente inacreditáveis, precisam ser trabalhadas de tal forma que que se depreenda uma lógica por trás delas, para que o espectador possa ao menos intuir as motivações por trás de cada um dos acontecimentos expostos em cena. Algo que se revela um grande desafio em O Clã, ainda que o diretor Pablo Trapero e seu elenco tenham feito um trabalho admirável nesta realização. O problema, aqui, não é dos artistas, e sim da natureza humana, que nunca se cansa em nos surpreender.

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Durante o auge da repressão do Governo Militar na Argentina, havia se tornado comum na sociedade o desaparecimento de pessoas consideradas subversivas e inimigas do regime. Como se sabe pelo muito que foi revelado nos anos posteriores, a ditadura brasileira foi horrível, mas a dos hermanos tudo indica que tenha sido ainda pior, com excessos de violência e arbitrariedades. Um destes episódios insólitos envolvendo a situação caótica por lá instaurada fala a respeito de aproveitadores que, ao identificarem essa ausência de explicações e falta de controle policial, passaram a sequestrar pessoas não por questões políticas, mas por simples vilania, exigindo altos resgates de seus familiares. Eram marginais, gangues mafiosas da pior espécie que cometiam essas barbáries sob as vistas grossas das autoridades, que não se metiam por saber que tais ações contribuíam para criar um clima de instabilidade e medo generalizado. Era coisa de café pequeno, como diziam. Mas para os diretamente envolvidos não passava de absurdos selvagens, principalmente pela dimensão que adquiriam.

Um dos protagonistas destes casos foi a Família Puccio. Comandados pelo patriarca, Arquímedes (o excelente Guillermo Francella), estavam todos envolvidos nestes atos criminosos: a esposa e os cinco filhos, de adolescentes até recém adultos. O mais espantoso, no entanto, é que as vítimas muitas vezes eram amigos e conhecidos deles, e o cativeiro onde eram colocados era o próprio sótão da residência. Ou seja, enquanto seguiam com suas vidas normais – as crianças indo à escola, os rapazes trazendo suas namoradas para conhecer os pais, as tarefas diárias e os encontros familiares – uma pessoa era mantida amordaçada, gritando por socorro, no andar de cima. Alguns se mantinham em uma conveniente ignorância – os mais jovens, principalmente – mas, de uma forma ou de outra, todos acabavam envolvidos nessa situação de puro horror.

A trama de O Clã começa quando Alejandro (Peter Lanzani, astro da tevê argentina, porém estreante no cinema), o segundo filho, começa a se incomodar com a situação familiar que lhe é imposta. A mãe e as meninas agem como se nada estivesse acontecendo ao redor delas. O pai, porém, é uma ameaça constante, impondo um misto de respeito, admiração e terror que era difícil saber como reagir diante suas aproximações. Após o primogênito simplesmente fugir de casa – uma viagem de férias se tornou um exílio auto-imposto – e o caçula decidir firmemente que não tomaria parte daquela realidade (decidindo, portanto, que também precisaria se desligar por completo da família), cabe a Ale o peso desta responsabilidade. A figura paterna exerce sobre ele um constante jogo de manipulação psicológica, contorcendo a realidade com exigências e cobranças do modo mais cruel possível. É um vilão clássico, legítimo lobo escondido sob pele de cordeiro.

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Quando os sequestros começam a fugir do controle e acabam terminando em assassinatos, tudo parece caminhar para um fim sem volta. Trapero, um dos maiores nomes do atual cinema argentino, constrói seu filme com habilidade, partindo de um momento dramático – afinal, por se tratar de um episódio verídico, já imaginamos que a qualquer instante eles serão descobertos e levados à justiça – para conduzir seu espectador por este circo de arbitrariedades e dissimulações. Porém, o mais surpreendente é deixado para o clímax, quando se sucede aquilo que qualquer um com um mínimo de humanidade faria. O desfecho inesperado é o ponto final de uma história revoltante e tão inacreditável que, enfim, só poderia mesmo ter sido real. Felizmente, levado às telas em uma produção impecável, que combina uma execução primorosa e evita soluções fáceis, compartilhando com a audiência toda a dor – e, por que não, responsabilidade – pelos atos aqui praticados.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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