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Publicado em 1998, o livro Gula: O Clube dos Anjos foi um projeto sob encomenda, como parte da coleção Plenos Pecados, da editora Objetiva, e marca uma das raras incursões de Luís Fernando Veríssimo na narrativa longa. O rápido desenvolvimento – são meras 130 páginas – e o fraco aprofundamento no perfil dos personagens deixa evidente o desconforto do autor com a ideia, mais um argumento curioso e menos uma proposta com fôlego para o que dela se exigia. Não que o intento fosse frustrante por completo – A Casa dos Budas Ditosos, de João Ubaldo Ribeiro, se desdobrou com sucesso nos palcos pelas mãos de Domingos Oliveira e com uma atuação inspirada de Fernanda Torres, e fazia parte da mesma iniciativa, representando, no caso, a luxúria. Mas o que se desconfiava, e agora se confirma, é que, apesar do material de origem ser de respeito, o fato é que é está no seu potencial em ser adaptado o maior mérito. Assim, o filme O Clube dos Anjos, de Angelo Defanti, apresenta acertos que na base literária inexistia, ao mesmo tempo em que o espírito irrequieto proposto por Veríssimo se mantém.
O argumento é inspirado, e de imediato desperta curiosidade: um grupo de amigos se reúne há anos, uma vez por mês, para encontros gastronômicos. Autobatizados como “O Clube do Picadinho” (referência à iguaria que todos comiam com deleite no boteco perto da escola desde os tempos da adolescência), se viram transformados em homens inúteis e preguiçosos, que nunca alcançaram nada digno de nota em suas jornadas pela vida. São bon vivants, filhinhos de papai que mesmo tendo passado dos 40 anos vivem às custas de mesadas da família, sem preocupações práticas, discutindo gostos e políticas, costumes e filosofias, sem se aterem às verdades do cotidiano. Após a morte de um dos seus membros-fundadores – o mais velho, aquele que os demais viam quase como um guru – a turma tentou se manter unida, mas os esforços não foram suficientes. O último jantar do ano anterior foi palco de ofensas e discussões, e nenhum deles parece ter ânimo bastante, mesmo depois de meses terem se passado, para propor uma nova reunião.
A situação começa a mudar quando Daniel (Otávio Müller, à vontade assumindo uma condição de protagonista que há muito lhe era devida) conhece Lucídio (Matheus Nachtergaele, mais uma presença de impacto do que uma figura a ser compreendida, servindo como princípio, mas também como fim), um sujeito, no mínimo, singular. Esse rapidamente se interessa pela ‘confraria’ do novo amigo, revela também fazer parte de uma de moldes similares, porém “ainda mais secreta e perigosa”, e não ter medo de desafios em busca de novos deleites e paladares. Quando o recém-chegado se oferece para preparar o menu do primeiro jantar da temporada, Daniel se mostra reticente, mas nada que a promessa da feitura do prato preferido de um dos companheiros não fosse suficiente para convencê-lo. Assim, trata de convocar os demais que, mesmo demonstrando igual falta de disposição, terminam por ceder. E após uma mesa na qual são confrontados com sabores nunca antes experimentados, a satisfação mútua é que se sobressai. Ao menos até o dia seguinte, quando descobrem que um deles – Abel (Ângelo Antônio), o homenageado com a receita principal – não sobreviveu àquela noite.
Poderia ser apenas uma coincidência, mas quem estaria disposto a, literalmente, colocar o pescoço em risco e, enfim, ‘pagar para ver’? Bom, o Clube do Picadinho não hesita em assumir a tarefa – ao menos, a última refeição, exatamente de acordo com as preferências da vítima da vez, estaria garantida! E o que parecia ser apenas uma suspeita, logo se confirma como um plano meticuloso sendo colocado em prática: depois será André (César Mello), João (Augusto Madeira, um dos que aparenta mais se divertir como um tipo adepto à posições radicais), Pedro (Marco Ricca, que com pouco à disposição oferece muito em retorno) e Tiago (o compositor André Abujamra, brincando de atuar). Um por um acaba cedendo ao canto de sereia culinário de Lucídio, determinado a se vingar de Samuel (Paulo Miklos, menos incisivo do que se poderia imaginar, apesar das constantes exclamações de crápula! tão características de seu personagem) e da impotência, disfarçada por um fascínio guloso, de Daniel, um condutor que tudo sabe, mas pouco pode fazer frente a um destino que se mostra incontornável àqueles que por tanto tempo estimou, como se esse fosse tudo o que poderiam ter direito: a eliminação.
A despeito de uma frágil masculinização da trama (todas as presenças femininas, que mesmo tímidas, povoavam o texto original, foram eliminadas nessa transposição) – pois, afinal, esses são seres débeis debatendo-se entre prazeres e condenações, O Clube dos Anjos resgata, seja através da imaginação de um dos grandes autores da literatura brasileira contemporânea, presente na ironia e nos finos traços de humor que povoam seus acontecimentos, como também pelo trabalho afiado de um elenco coeso e de uma direção segura dos resultados que almejam. O resultado confirma o cineasta, a despeito de sua condição de estreante no formato, como dono de um olhar apurado a respeito do tema sobre o qual se debruça. Deffanti (e Veríssimo) oferece ao público tipos desprezíveis, que se retorcem entre si mesmos, incapazes de lutarem até mesmo pela própria sobrevivência frente à promessa de um último gozo. Eis o retrato patético do humano, e por isso mesmo, ciente de suas limitações – e do improvável alcance que termina por exercer.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Robledo Milani | 7 |
Alysson Oliveira | 7 |
Renato Silveira | 7 |
Carlos Helí de Almeida | 7 |
Alex Gonçalves | 7 |
Maria Caú | 9 |
MÉDIA | 6.2 |
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