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Sinopse

Otavio e Gilda são da elite brasileira e membros do The Cannibal Club. Os dois têm, como hábito, comer seus funcionários. Quando Gilda, acidentalmente, descobre um segredo de Borges, um poderoso congressista e líder do clube, ela acaba colocando sua vida e a de seu marido em perigo.

Crítica

A elite devora a massa proletária. Essa é a metáfora, bastante explícita, que norteia O Clube dos Canibais, cuja trama acompanha Otávio (Tavinho Teixeira), dono de uma empresa de segurança privada, e sua esposa Gilda (Ana Luiza Rios). Um casal da alta sociedade que possui o hábito de comer seus empregados e integra o clube mencionado no título, liderado pelo deputado Borges (Pedro Domingues), figura influente que esconde um segredo íntimo, descoberto acidentalmente por Gilda. Um fato que acaba colocando em risco a vida da dupla protagonista. Partindo de tal premissa, o longa de Guto Parente pode ser enquadrado numa onda recente de títulos nacionais que buscam a crítica social através das convenções do cinema de gênero – o terror/suspense – como, por exemplo, As Boas Maneiras (2017), de Juliana Rojas e Marco Dutra, e O Animal Cordial (2017), de Gabriela Amaral Almeida.

Destes citados, é com o segundo que o trabalho de Parente dialoga mais estreitamente. Não apenas pelo fato de se manter em um terreno mais realista, ainda que afeito ao insólito, e menos fantasioso do que o do filme de Rojas e Dutra, mas também pelo modo como explora o latente elemento sexual – pulsante e carnal, se confundindo com a violência e o sangue – bem como pelo contexto gastronômico. Há em O Clube os Canibais, porém, uma aura satírica mais acentuada, que o diferencia de outros exemplares da vertente. Desde os primeiros planos, como se tirados de um thriller erótico B - embalados por uma lasciva trilha sonora - que mostram Gilda à beira da piscina observando, e sendo observada, pelo caseiro, nota-se um ar intencionalmente debochado, que já pairava, mesmo que de modo mais sutil, sobre a incursão anterior de Parente pelo suspense, em chave sobrenatural, com A Misteriosa Morte de Pérola (2014).

Tal faceta faz com que o longa caminhe numa linha tênue, arriscada, pois, se, por um lado, a sátira notadamente serve à potencialização do comentário social e político, por outro, se trabalhada em tom excessivo, pode levar à ridicularização frívola, criando uma caricatura inócua. É o que ocorre, em determinados momentos, quando o discurso é verbalizado de forma demasiadamente literal, na tentativa de Parente de expor a hipocrisia e as contradições morais da dita elite brasileira – o brinde de Borges durante o jantar, o diálogo na festa sobre o primeiro mundo e os flanelinhas, a fala da dupla de publicitários ao apresentar a campanha criada para a empresa de Otávio. Uma literalidade que dilui o aspecto questionador, transmitindo certa sensação de artificialidade. Nesse ponto, retomando o paralelo com O Animal Cordial, a diretora Gabriela Amaral Almeida se mostrava mais hábil em driblar as armadilhas discursivas, tratando do atrito de classes não por meio do texto, mas deixando-o implícito nos gestos, olhares e atitudes de seus personagens.

O mergulho na estrutura classista também se apresentava mais complexo em O Animal Cordial. Enquanto aqui, Parente trabalha com a dicotomia total, com os dois extremos, Almeida explorava igualmente os estratos sociais intermediários, bem como os conflitos internos entre seus integrantes – entre os próprios funcionários do restaurante e os clientes. Contudo, se como alegoria social O Clube dos Canibais acaba por esbarrar nos mencionados percalços em parte do tempo, não atingindo plenamente o potencial contido em seu ponto de partida, como exercício de gênero, por sua vez, a condução de Parente se revela bastante eficiente, demonstrando domínio sobre as regras e referências desse tipo de filme, especialmente no campo estético.

O sublinhar da horizontalidade das imagens pelo escopo da janela, a composição de cores intensas e a elegância dos enquadramentos e movimentos de câmera – como o travelling pelos rostos dos membros do clube durante um de seus rendezvous ou o plano de Gilda, nua e ensanguentada, descendo as escadas – evocam nomes como Dario Argento, Brian De Palma e John Carpenter – este último que também parece ser citado nas notas de sintetizadores inseridas na atmosférica trilha de Fernando Catatau. Esse retrabalho de referências para a representação de uma realidade particular brasileira preserva a força e garante o interesse de um conto sobre a luta de classes em que a possibilidade de reversão do estado das coisas por parte dos oprimidos – sugerida de alguma maneira no segredo de Borges – se materializa por vias tortas no clímax. Não através da catarse advinda do sentimento de vingança, justiça ou da ambição de ascensão social, mas da necessidade, da erupção do instinto mais primitivo: a sobrevivência.

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é formado em Publicidade e Propaganda pelo Mackenzie – SP. Escreve sobre cinema no blog Olhares em Película (olharesempelicula.wordpress.com) e para o site Cult Cultura (cultcultura.com.br).
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