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Sinopse

David e Creeper formam uma dupla de cobradores de taxas a serviço do chefão local do crime organizado. O surgimento de um bandido potencialmente mais perigoso obriga David a tomar medidas drásticas.

Crítica

Em um projeto que tinha tudo para se mostrar uma grande bagunça – e, em parte, isso é o que consegue oferecer – há um mérito inegável em O Cobrador de Impostos que merece ser destacado: o carisma de Bobby Soto, que interpreta David, o protagonista. Tendo chamado primeiro atenção ao aparecer ainda criança como o filho de Demian Bichir em sua atuação indicada ao Oscar em Uma Vida Melhor (2011), o rapaz cresceu e, literalmente, apareceu. Se destacou em séries como Narcos: México (2020) e em dramas independentes como The Quarry (2020), e agora consegue pela primeira vez a condução de uma história – o que faz com razoável competência. O resultado só não é melhor devido a uma total e evidente falta de inspiração do diretor David Ayer, que apesar do tema rico que tem em mãos, contenta-se em apenas reviver alguns dos seus trabalhos anteriores, como Marcados para Morrer (2012) e até o malfadado Esquadrão Suicida (2016).

Assim como em muitos dos seus longas, Ayer coloca dois homens em ação dirigindo pelas ruas de uma Los Angeles tomada pelas drogas e por aqueles que vivem do tráfico. Mas ao invés do que é visto também em outros títulos da sua filmografia, como Dia de Treinamento (2001) ou Bright (2017), dessa vez deixa os policiais de lado e opta por se concentrar nos contraventores, naqueles que mais faturam com esse mercado – em tese, ao menos. O começo é auspicioso, com Soto transitando com segurança entre uma vida familiar afetuosa e abundante para a determinação e objetividade que lhe é imprescindível ao tratar com traficantes, concorrentes e compradores. O garoto convence como marido apaixonado e pai afetuoso, da mesma maneira como se mostra irascível com eventuais ameaças e certeiro em suas negociações. Tudo começa a se complicar – dramaticamente, principalmente – quando seu braço direito entra em cena. Personagem esse interpretado por um cada vez mais irregular Shia LaBeouf.

LaBeouf já foi considerado uma promessa de Hollywood, ameaçou ter umas franquias para chamar de suas (como Transformers e Indiana Jones – nada como ter um padrinho artístico como Steven Spielberg, certo?), mas simplesmente não soube manter o que havia conquistado, e resvalou no clichê do astro irresponsável e amalucado, que tenta fazer de sua vida privada algo mais interessante do que as histórias que vivencia na ficção. Tanto é que, de alguns anos para cá, só tem conseguido exibir alguma consistência quando na mão de cineastas independentes e autorais, como Andrea Arnold (Docinho da América, 2016) ou Kornél Mundruczó (Pieces of a Woman, 2020). No entanto, quando em ambiente mais confortável, o desastre anunciado se confirma. E o que se tem é uma composição equivocada, trejeitos exagerados, discursos aleatórios e uma postura que combina arrogância com despreparo. Exatamente o que se encontra em O Cobrador de Impostos.

Enquanto Soto é tanto cérebro quanto uma presença de respeito, LaBeouf tenta se impor pela estranheza e inadequação. Tanto é que seu personagem é apelidado de Creeper (Bizarro, em tradução livre). Ele é o maluco, o que assusta só por entrar na sala. Mas quando a trama de fato se apresenta – há um novo chefão do crime na cidade, e David precisa decidir a quem irá prestar fidelidade: àquele que agora se candidata ao posto maior, ao que o colocou na posição que hoje ocupa ou se, numa última jogada, escolhe arriscar tudo e entrar na disputa contra ambos, em nome de si próprio. É quase como um jogo de xadrez, de tomadas calculadas, que cada movimento pode tanto colocar tudo a perder como levar a mais esperada das reviravoltas. Contra si, no entanto, está justamente aquele que precisaria ser sua garantia. E se não há mais em quem confiar, pelo que ainda vale essa luta?

Desde o nome absolutamente genérico – David vive da cobrança de comerciantes e também de outros bandidos sob seu comando de um percentual sobre suas transações, em nome de uma suposta afiliação – até uma condução que ignora os pormenores para se concentrar no maior barulho possível, preferindo tiroteios, degolações, ataques descontrolados e outras atrocidades, ao invés de demonstrações estratégicas e elaboradas, O Cobrador de Impostos ainda incorre no erro de tentar fetichizar uma cultura que nem deveria lhe ser tão exótica – a mexicana e latina, no caso. Ou seja, não apenas aposta em clichês batidos e desgastados, como os emprega no cerne de uma trama que poderia ser desenvolvida de modo muito mais complexo e intrigante – como tantas séries de televisão tem feito nos anos mais recentes. Os corpos se acumulam, os tiros são dados para todos lados, e o que resta à audiência é uma experiência que termina anestesiada pelos excessos e repetições de velhas fórmulas.

 

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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