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Sinopse

A menina Aninha, futura poeta e doceira, é uma criança considerada feia, frágil, desajeitada e oprimida por praticamente todos que a cercam. Ela encontra no jogo da amarelinha um meio de superar os próprios limites e, na imaginação, uma fuga do meio opressivo em que vive. Sua infância, marcada pela rejeição, é relembrada na vida adulta por sua ligação afetiva e trágica com o prato azul-pombinho, último de uma coleção de noventa e duas peças, pertencente à sua bisavó Antônia.

Crítica

Baseado no poema O Prato Azul-Pombinho, de Cora Coralina, O Colar de Coralina transcorre majoritariamente no fim do século XIX, no seio de uma família de mulheres, onde certas “novidades”, como a atenção feminina à leitura e aos estudos, são tachadas de desvios comportamentais. Todavia, passam longe da profundidade a observação dos traços peculiares ao machismo da época e as menções esparsas à situação dos escravos então recentemente alforriados. Aliás, o filme do diretor Reginaldo Gontijo apresenta uma fragilidade evidente no que diz respeito à sua ambientação, não encontrando escudo suficiente na ingenuidade intrínseca ao fato de ser um exemplar direcionado a crianças. Ademais, as perambulações na cidade histórica de Goiás, marcadas pela ausência de gente e, portanto, de verossimilhança, representa outra debilidade produtiva, diretamente relacionada à inocência não exatamente da trama, mas da concepção cinematográfica, pilar quebradiço da encenação dura e artificial.

O Colar de Coralina é protagonizado por Aninha (Rebeca Vasconcelos), pré-adolescente com ares de criança – como convinha à meninice do tempo retratado –, às voltas com as tentativas familiares para torna-la uma doceira de mão cheia. A despeito da pressão doméstica, ela prefere ficar imersa nos livros, interagindo com histórias e personagens fictícios. Uma das fábulas que carimba sua infância de afeto é a concernente ao solitário prato azul-pombinho, utensílio repousante na cristaleira para o deleite de sua bisavó. É inicialmente bem construída a mítica do objeto que traz pintada uma paisagem chinesa, por meio da qual a matriarca mais velha desenvolve a narrativa de amor que aproxima realeza e plebe. O realizador logra êxito ao mostrar a lenda através de uma bonita animação, repleta de detalhes, encarregada de evocar um bem-vindo tom lúdico. Todavia, é breve essa abordagem, com o conto perdendo força no decurso do enredo, um dos grandes desperdícios do longa-metragem que vai ficando gradativamente banal.

Há uma sucessão de elementos mal enjambrados em O Colar de Coralina, de componentes apresentados levianamente. A disposição de Jacintha (Letícia Sabatella), mãe de Aninha, a arregaçar as mangas a fim de sustentar a casa sem homens é rapidamente esquecida pelo roteiro. Não há aposta significativa no desenvolvimento desse tipo de postura vanguardista, tampouco desenho considerável das reações veementes do conservadorismo. Quando muito, estas são restritas a comentários maliciosos. O fato de ser um filme infantil não o exime de certas responsabilidades com o encadeamento das temáticas, sendo outro exemplo de futilidade a participação tipificada da empregada Lizarda (Valdelice Moreno). A personagem ensaia ser uma voz atenciosa e carinhosa à menina inclinada a buscar na imaginação o bálsamo para as tristezas, mas sua atuação oscila demasiadamente entre esse papel importante e a coadjuvância sem qualquer impacto maior.

Colocar um homem para interpretar a ruidosa vizinha, bem como lançar mão de uma maquiagem involuntariamente falsa, que compromete sobremaneira o resultado, são alguns dos expedientes absolutamente questionáveis de O Colar de Coralina. Nada, de fato, se assenta no filme como importante ou emocionalmente relevante. A rememoração de Cora Coralina (Maria Coedi), versão idosa de Aninha, é apenas uma curiosidade sem efeitos dramatúrgicos relevantes. O diretor Reginaldo Gontijo não consegue ir além da mera observação anódina de um período historicamente significativo para o Brasil, concomitante a uma das fases basilares da personalidade da protagonista, tornando completamente desprovidos de importância os desdobramentos que levam à quebra da relíquia, evento sintomático de um crescimento necessário. O filme transborda de puerilidade, não por conjurar devidamente os traços de uma época mais lúdica e brincalhona, mas por exibir uma ingenuidade cinematográfica flagrante.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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