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Crítica

Quando realizou O Comboio do Medo, William Friedkin era um dos diretores mais poderosos de Hollywood. Vindo de dois grandes sucessos de público e crítica – o vencedor do Oscar Operação França (1971) e o blockbuster, também oscarizado, O Exorcista (1973) –, Friedkin recebeu carta branca dos executivos da Paramount e da Universal para seu próximo filme, que acabou sendo esse remake do excelente O Salário do Medo (1953), de Henri-Georges Clouzot. Com filmagens complicadíssimas, marcadas, dentre outras coisas, por um perfeccionismo do diretor que levou a sucessivos aumentos orçamentários,  O Comboio do Medo foi um estrondoso fracasso de bilheteria, dando sua própria contribuição para o fim do sonho da chamada Nova Hollywood, da liberdade almejada (e, durante certo período, conquistada) por uma geração de cineastas jovens e revolucionários.

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É claro que um olhar para o contexto de lançamento do filme nos cinemas norte-americanos ajuda a entender esse fracasso – O Comboio do Medo basicamente foi engolido pelo fenômeno Star Wars, em cartaz havia pouco menos de um mês –, mas, vendo-o hoje, não deixa de ser espantoso que isso tenha acontecido. Trata-se de um filme muito diferente de O Portal do Paraíso (1980), por exemplo, outra grande produção de um diretor da Nova Hollywood que afundou nas bilheterias: apesar de impressionante como cinema, O Portal do Paraíso é um épico denso e longuíssimo, de difícil degustação por grandes plateias. O Comboio do Medo, por sua vez, tem uma narrativa eletrizante do início ao fim, atravessada por um senso de ação ininterrupta, filmada por Friedkin com uma energia espantosa, que lembra o que George Miller fez recentemente em Mad Max: Estrada da Fúria (2015).

O Comboio do Medo é protagonizado por quatro párias, fugitivos de diferentes partes do mundo (Estados Unidos, França, Israel e México) que se encontram num vilarejo sul-americano e buscam redenção na realização de um serviço aparentemente impossível: transportar dois caminhões de nitroglicerina em meio à selva, para pôr fim à explosão de um tanque de petróleo. Friedkin abre seu filme com um prólogo impressionante, em que apresenta detidamente cada um dos personagens e as ações que os levaram até o exílio nessa espécie de purgatório terceiro-mundista. O diretor ousa ao dedicar tempo considerável a atores desconhecidos cujas histórias se desenrolam em outros idiomas que não o inglês (já que os três primeiros segmentos desse prólogo se passam no México, em Israel e na França, respectivamente), para só em seguida introduzir o personagem de Roy Scheider, criminoso que tem de fugir de New Jersey após ser jurado de morte por um mafioso. A apresentação de Jackie Scanlon (Scheider), aliás, tem uma vibração, sobretudo na violentíssima sequência de perseguição de carros, que remete diretamente aos melhores momentos de Operação França.

O que ocorre daí em diante é a mais pura insanidade friedkiniana. Scanlon, Victor Manzon (Bruno Cremer), Nilo (Francisco Rabal) e Kassem (Amidou) se embrenham na mata com caminhões caindo aos pedaços, flertando o tempo inteiro com a morte e com a loucura. Toda essa segunda metade de O Comboio do Medo é absurdamente tensa e angustiante, mas Friedkin passa dos limites em dois momentos específicos: o da célebre travessia da ponte, quando o diretor desaba como uma força da natureza sobre seus atores/personagens; e aquele em que esses personagens têm que explodir uma imensa árvore em seu caminho, brilhante exercício de construção da tensão por meio da montagem e do uso de silêncios e pequenos ruídos.

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Atravessado por um niilismo presente em quase todo o cinema de Friedkin, mas que aqui atinge seu ápice, O Comboio do Medo se encerra de maneira devastadora, graças à implacável ironia de seu diretor. Em processo de recuperação crítica após quase quarenta anos de seu malfadado lançamento nos cinemas estadunidenses, esse poderosíssimo filme de ação sobre a impossibilidade de fuga do inferno construído por nossas próprias escolhas pode hoje ser considerado, sem sobressaltos, a obra-prima do gigante William Friedkin.

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é um historiador que fez do cinema seu maior prazer, estudando temas ligados à Sétima Arte na graduação, no mestrado e no doutorado. Brinca de escrever sobre filmes na internet desde 2003, mantendo seu atual blog, o Crônicas Cinéfilas, desde 2008. Reza, todos os dias, para seus dois deuses: Billy Wilder e Alfred Hitchcock.
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