Crítica
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“Sempre achei que o diploma de Direito fosse como uma licença para roubar”. Esse é o tom dado logo no início de O Conselheiro do Crime, thriller de Ridley Scott. Além do nome importante na direção, este filme pertence, ainda, a três pessoas: ao protagonista Michael Fassbender, que responde pelo personagem-título e é a sua via-crúcis que iremos acompanhar durante todo o desenrolar da história; à Cameron Diaz, que transforma sua Malkina na femme fatale mais irresistível e destruidora do cinema desde Sharon Stone em Cassino (1995), e ao roteirista Cormac McCarthy, que oferece a essa trama de pessoas dissimuladas, acordos com segundas – e até terceiras – intenções e verdades nunca ditas a mesma ambientação cruel vista no oscarizado Onde os Fracos não tem Vez (2007). Há, de fato, um conselheiro que serve de ligação entre todos os demais personagens, mas ele terá muito mais a aprender do que a aconselhar.
“Nossa, que mundo é esse?” “Você o acha estranho?” “Estou falando de você, querida!” Esse diálogo se dá entre Cameron Diaz (a ácida) e Penélope Cruz (a crente), as duas grandes presenças femininas em O Conselheiro do Crime. Inicialmente, conhecemos a segunda, que nos é apresentada num cenário idílico, como aquele visto no final de Irreversível (2002): um casal na cama, feliz, com uma vida toda pela frente – ou não. Pois, como no filme francês, o que veremos dessa cena em diante também não terá volta. E se Laura (Cruz) é a ingênua que desconhece onde está se metendo, Malkina, por outro lado, é o mestre bonequeiro que cuida das articulações presas a todos os outros. No mundo dela, nada acontece por acaso. E se a fome que sente é voraz, a interpretação da atriz está à altura do que a personagem exige.
“Você não conhece alguém de verdade até saber o que essa pessoa quer”. Todo mundo quer alguma coisa em O Conselheiro do Crime. Mas, principalmente, o próprio Conselheiro (ou, como a legenda em português insiste em chamá-lo, mesmo que sem lógica, “doutor”). Michael Fassbender é o homem disposto a entrar numa nova realidade, selvagem e estranha, mas ainda assim repleta de atrativos. Ele é avisado por muitos – como o cowboy vivido por Brad Pitt, um tipo misterioso e irresistível – mas, mesmo assim, acredita ter controle da situação. Até que percebe que as coisas foram longe demais. Ridley Scott é um realizador competente, que se não chega a ser um autor de estilo próprio, ao menos trafega com muita tranquilidade pelos mais diversos gêneros. E dessa vez oferece ao seu coadjuvante de Prometheus (2012), seu trabalho anterior, um tipo único, repleto de nuances, que o ator alemão defende com bravura e intensidade.
“Pretendo amá-la até morrer!” “Eu primeiro”. O Conselheiro está apaixonado. Quer mudar seu mundo, ser feliz, ter tudo ao seu alcance e oferecer o melhor à mulher amada. Será justamente essa ambição, no entanto, que fará a promessa da noiva se cumprir. McCarthy estabelece um jogo de gato e rato entre cada um dos envolvidos que nunca sabemos ao certo quem será o próximo a pagar pela dívida do outro – muitas vezes sem nem ao menos saber o porquê. As promessas são muitas – uma vida nova, um golpe diferente, um cabelo mais moderno, uma casa maior, um carro mais rápido – mas o que fazer com estas conquistas após tê-las. Essa sensação contínua de desperdício e fugacidade é reforçada pela edição precisa de Pietro Scalia (vencedor do Oscar por JFK, 1991, e por Falcão Negro em Perigo, 2002) e pela fotografia árida de Dariusz Wolski (série Piratas do Caribe). Em conjunto, temos uma obra que transpira sensualidade, mas que também cobra um preço exagerado por tudo aquilo que entrega.
“O quão ruim é a situação?” “Bem ruim... e daí multiplique por dez”. Quando não há nada a se fazer além de correr, até as opções para onde fugir se tornam escassas. O Conselheiro quis muito, e por isso ficará com tão pouco – ou conseguirá dar a volta por cima? Este não é um filme de final feliz – ou talvez seja, mas não para todos. Os detalhes é que farão a diferença, assim como no próprio elenco. Afinal, que produção hoje em dia dispõe de tanto prestígio para usar nomes como Bruno Ganz, Rosie Perez, Toby Kebbell, Édgar Ramírez, Rubén Blades e Goran Visnjic, entre outros, em apenas um ou duas cenas, se tanto? Os próprios Brad Pitt, Javier Bardem e Penélope Cruz, que estampam o cartaz, pouco possuem o que fazer além de concentrarem seus talentos em raras sequências. E, no entanto, quem está reclamando? O que importa é que funciona à precisão. Nem tudo fica tão claro – e nem é preciso. Mais, aqui, seria menos.
“A verdade não tem temperatura”. O que tem que ser, será, já diz o ditado. Portanto, não adianta dourar a pílula, tornando-a mais bela, mais excitante, mais enérgica, mais relaxante. Não há frio ou quente, apenas resta o que está diante de todos. O Conselheiro do Crime é um grande quebra-cabeças, talvez o mais inteligente que Ridley Scott tenha executado nos últimos anos. É um filme de (muitos) altos e (poucos) baixos, e que numa visão geral se posiciona bem acima do que o cinema mundial está acostumado. Trata-se de um pacote atraente, embalado com o mais fino trato, mas que possui um incrível e imprescindível diferencial: um conteúdo e tanto. Daqueles que ficar marcado na mente de qualquer um, assim como a última frase dita antes dos créditos finais.
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