O Conto das Três Irmãs
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Emin Alper
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Kiz Kardesler
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2019
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Turquia / Alemanha / Holanda / Grécia
Crítica
Leitores
Sinopse
Em um vilarejo pobre no centro da Península de Anatólia, três jovens garotas foram entregues pelo pai a uma rica família da cidade grande, na intenção de trabalharem como babás e empregadas domésticas. Uma a uma, foram enviadas de volta, por desagradarem aos patrões. Enquanto o pai das três tenta consertar a situação, para dar melhores condições de vida às garotas, elas sonham com um futuro longe dali.
Crítica
Uma já foi, mas voltou. Outra está pronta para partir, e sabe que a qualquer momento será chamada. E a terceira não queria retornar, mas acabou expulsa, e agora reluta em aceitar seu destino. Essas garotas são de uma mesma família, ligadas por um laço muito maior do que o sangue que as une: é uma tradição de anos, séculos que remontam ao início dos tempos. São mulheres destinadas a servir, a ouvir seus pais e maridos, obedecê-los e estarem sempre à disposição para o que eles dela necessitarem. Mas até quando? Se O Conto das Três Irmãs parece disposto a trafegar por tempo e história, é de forma quase lúdica, sem ser impositivo ou agressivo, que em ritmo lento, porém resistente, vai abordando as violências com as quais essas garotas estão acostumadas a lidar no dia a dia, fazendo a irrelevância que lhes é dedicada a força para seguirem adiante, um passo após o outro, mesmo quando tudo – e todos – se mostram contrários a elas.
O diretor e roteirista Emin Alper foi à Berlinale com esse que é o seu terceiro longa, e acabou premiado ao redor do mundo, em festivais como os de Sarajevo e Istanbul. A narrativa sobre a qual se debruça é absolutamente feminina, mas o olhar masculino que exerce é importante também pelo parâmetro através do qual essas garotas se veem forçadas a interagir a cada instante das suas existências. O cineasta é rígido no retrato a que se propõe: os homens são brutos e tão maltratados pelo passar dos anos e pelas condições que se veem obrigados a enfrentar para garantir as existências suas e de suas famílias que pouco conseguem dedicar àqueles que lhes são – ou, ao menos, deveriam ser – mais caros. Elas, no entanto, se veem sujeitas e uma realidade não muito diversa, mas com o pesar de terem suas vozes abafadas, seja pela falta de oportunidades, ou pelo destino que se apresenta como única opção.
Mas nem mesmo essa determinação do meio e das experiências anteriores parece ser suficiente para calar aquelas que acreditam que podem – e que merecem – ser ouvidas. Reyhan (Cemre Ebuzziya), a mais velha, tem o pai para cuidar, o filho recém-nascido para criar, e o marido para suportar. Nurhan (Ece Yüksel, de Até Que Eu Perca o Fôlego, 2015), a do meio, é a revoltada, a que não se sente privilegiada como a primogênita, e nem protegida como a caçula. Já Havva (Helin Kandemir de O Último Guardião, 2018-2019), a menor, vê tudo ao seu redor como uma mera situação de passagem, algo incômodo, mas tolerável: sabe que não permanecerá ali por muito tempo. Pois assim como as mais velhas, também deverá partir. E vai depender do seu potencial, da capacidade de lidar com o que encontra em seu caminho, e acima de tudo, da habilidade de se adaptar ou não ao que lhe será imposto, determinar se terá, ou não, que retornar ao mesmo ponto de partida onde as três agora se encontram mais uma vez.
“O homem é ingrato”, uma delas diz, falando dos outros, mas referindo a si e aos seus. Pois tem razão: nunca se está satisfeito com o que se tem. E se esse é o segredo da felicidade, a tristeza e a insatisfação parecem ser destino do qual ninguém conseguirá escapar. Mais trágico ainda é a consciência de que, uma vez alcançado o objetivo por tanto sonhado, esse logo perderá a importância, e essa ansiedade e incômodo será direcionado a um novo objetivo. Reyhan, Nurhan e Havva lidam como podem com aquilo que lhes é oferecido. Uma aprende às duas penas a cair e se levantar. Outra chora, mergulhando no próprio desgosto a ponto de prejudicar mais si do que a qualquer outro. E a terceira opta pela alienação, como se nada daquilo lhe dissesse respeito. São maneiras diferentes de reagir, mas todas guiadas pela mesma intenção: a fuga.
Os homens também são parte fundamental na narrativa de O Conto das Três Irmãs. Do pai aparentemente insensível (Müfit Kayacan, de Love 101, 2020), que enterra em si um sentimento que não ousa desfrutar, ao marido irresponsável (Kayhan Açikgöz), justamente por se permitir essa liberdade que irá lhe cobrar um preço alto demais a ser pago, eles estão sempre no entorno, aparecendo como portas de saída, mas também como muros de clausura. A elas, resta descobrir como lidar com as adversidades. E no isolamento das montanhas sem fim, dos campos intermináveis ou da neve que tudo cobre e esconde, restará o exemplo que ensina, o perdão que não virá e a ilusão de que dias melhores um dia poderão chegar. Enquanto esperam, a vida vai acontecendo. Se boa ou ruim, essa é uma decisão tão íntima quanto o choro de uma criança no meio da noite. Afinal, como se reage diante de um chamado como esse é que acaba por fazer toda a diferença.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
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Robledo Milani | 7 |
Bruno Carmelo | 9 |
Nayara Reynaud | 6 |
MÉDIA | 7.3 |
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