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Crítica


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Sinopse

Ana e o filho, Mateo, vivem em um apartamento de classe média na Cidade do México. A rotina da família muda quando Juan chega para visitá-los após anos de ausência. Essa reunião desencadeia memórias e segredos do passado que Ana precisará enfrentar.

Crítica

A vida de Ana (Laura Agorreca) é descrita como tediosa. O diretor Emilio Santoyo não poupa recursos para demonstrar o pouco entusiasmo com que esta jovem mulher leva a vida: a sequência inicial traz um acúmulo de repetições (acordar e dormir, se deitar e levantar da cama), através de imagens de cores pálidas, estampadas por flores secas cujas pétalas estão caindo. Os enquadramentos têm a profundidade reduzidíssima, representando a visão limitada da protagonista. Em virtude do teor contemplativo, percebemos que esta rotina está a espera de transformações – até porque, sem perturbar a monotonia sepulcral, talvez não houvesse material para desenvolver uma narrativa.

Eis que o elemento perturbador aparece de modo abrupto, batendo à porta da casa: Juan (David Calderón León), irmão de Ana. Ambos demonstram desconforto na presença um do outro, entretanto, Ana logo o acolhe em sua casa. Pela maneira como se olham, pelo jeito como ela admira o torso nu do rapaz dormindo, pela carência de sexo (Ana observa os vizinhos transando no prédio à frente), nota-se a evidente atração sexual pelo visitante. Seria mesmo o irmão dela? Ou talvez um antigo namorado, um amante, ou mesmo o pai de seu filho pequeno? O Desejo de Ana é inteiramente movido por esta ambiguidade, através de sucessivas insinuações de que ambos estão de fatos, interessados sexualmente um no outro. Falta apenas a inevitável concretização dos desejos.

Existe uma curiosa indefinição de tons neste drama mexicano. Por um lado, o diretor busca construir um drama/suspense de insinuações sutis, no formato de um quebra-cabeça que se desvenda gradativamente ao espectador – vide a foto dobrada ao meio, a porta trancada, o motivo lacônico pelo qual Juan teria aparecido na casa de Ana. Por outro lado, as respostas às próprias insinuações são tão óbvias que cabe ao público apenas esperar pela confirmação dos dados. Estabelecido o grau de parentesco real entre eles, o projeto não aprofunda o tabu do incesto, nem mesmo examina a curiosa evolução histórica do desejo entre os irmãos. Santoyo apenas mantém sua inabalável trajetória de colisão: uma hora, eles deverão fazer sexo. O filme, bastante casto em sua representação dos corpos, da sexualidade e das interdições morais, revela-se ironicamente obsessivo com a promessa do contato sexual.

Para tal, multiplica os obstáculos até a concretização do gozo (incluindo dois triângulos amorosos envolvendo a namorada dele, e o namorado dela) enquanto promete que Juan se tornará tanto uma boa figura paterna quanto uma péssima influência ao filho bem comportado dela. A estética permanece lânguida, delicada, e mesmo romântica. Talvez o elemento mais incômodo para o público médio seja a ideia de que a atração entre os irmãos constitua uma forma de destino, como almas gêmeas. O diretor força a mão nos simbolismos – o quadro dos pais observando a dupla junta, representando a culpa – mas ainda permite que vivam um grande amor. A prova disso é a incapacidade de conceber qualquer futuro para os protagonistas depois da possível cena de sexo. O filme inteiro poderia ser resumido, em termos narrativos, ao prenúncio de um coito.

Ao menos, O Desejo de Ana consegue diluir a impressão de uma mulher passiva demais, como se anunciava a princípio, enquanto atenua a promessa de um vândalo aparecendo para apimentar a vida dela. Em outras palavras, aos poucos o roteiro deixa de fetichizar a situação, retirando o espectador da incômoda posição de voyeur. Ana passa a ganhar autonomia, controlando o relacionamento tanto quanto Juan. Alguns enquadramentos ainda soam artificiais (a irmã e a namorada à porta, encostadas simetricamente, esperando a chegada do interesse romântico de ambas), porém a intenção de discutir o tema sem julgamentos morais pode ser encarada como ponto digno de interesse.

“As coisas não mudam nunca”, afirma o irmão sobre os comportamentos e sentimentos de ambos. De fato, julgando pela linearidade da trama e pela ausência de conflitos para além da aproximação entre Ana e Juan, este era o único desfecho possível. A aceitação do público a este drama dependerá da tolerância ao retrato do incesto enquanto algo não apenas aceitável, mas inevitável, e muito mais puro do que os outros relacionamentos de conveniência. Santoyo idealiza, através desta pequena fábula, a concretização de um amor eterno.

Filme visto na 43ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em outubro de 2019.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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