Crítica


6

Leitores


2 votos 6

Onde Assistir

Sinopse

A Colina Sagrada, que depois recebeu o nome de Morro do Castelo, foi o local escolhido pelos portugueses para a fundação da cidade do Rio de Janeiro. Sua estrutura representa uma importante referência histórica e arquitetônica do passado da cidade carioca e, segundo uma lenda urbana, as entranhas do morro guardam um tesouro nunca encontrado. Apesar de toda relevância, o Morro do Castelo foi destruído por reformas urbanísticas que visavam promover uma especulação imobiliária na região, acabando com um dos maiores pilares da história guanabara.

Crítica

O Desmonte do Monte é didático. Geralmente, tal adjetivo é utilizado de modo pejorativo quando relacionado ao cinema. Todavia, o documentário de Sinai Sganzerla é uma aula no sentido positivo, exatamente por lançar luz sobre fatos históricos, não discorrendo banalmente sobre os mesmos, mas sublinhando determinados elementos vitais à compreensão, inclusive, dos poderes que regem políticas nacionais. Para começo de conversa, é vastíssimo o material de arquivo acessado, especialmente fotografias, gravuras, pinturas e outros dispositivos que servem ao âmbito puramente imagético do filme. A câmera passeia por texturas e formas, encadeando-as expressivamente enquanto a boa construção sonora se encarrega de conferir vivacidade ao relato. A utilização do equivalente sonoro da ação em voga é parcimoniosa, embora faça falta em determinados momentos, enquanto sobre em outros. Não obstante, é curiosa a construção narrativa embalada pela voz de Helena Ignez.

O protagonista de O Desmonte do Monte é o Morro do Castelo, acidente geográfico que existiu no Rio de Janeiro, onde foi fundada a Cidade Maravilhosa. Sinai costura fatos aparentemente díspares como a contenda entre franceses e portugueses que incendiaram a rivalidade das tribos indígenas nativas para satisfazer seus desejos de dominação, e a vontade de tornar a, posteriormente, capital federal um modelo urbanístico similar às urbes europeias, especialmente Paris. Ainda que seja combalido pela subserviência ao andamento cronológico, com poucos desvios num percurso, no mais das vezes, retilíneo, o longa-metragem consegue estabelecer vínculos entre políticas coloniais e republicanas, demonstrando o caráter cíclico da História. Eternizado em pinturas e demais suportes, o Morro do Castelo é um exemplo da desvalorização dos legados quando prevalece a sanha desenvolvimentista, cujo efeito imediato é especulação imobiliária. A tradição é vilipendiada por simplesmente não render dividendos.

O Desmonte do Monte carece de maior dinamismo para entrelaçar seus apontamentos de excepcional relevância. Disso decorre uma estagnação que ameaça comprometer a fruição, algo compensado, em partes, pela substância das informações transmitidas. Sinai promove uma verdadeira exumação do Rio de Janeiro, passando a limpo o passado que ecoa atualmente. A remoção dos moradores do Morro do Castelo, principalmente descendentes de escravos ou mesmo alforriados sem qualquer amparo governamental, infelizmente rima com o preconceito racial vigente num país que foi o primeiro a trazer gente à força da África e o último a abolir a escravatura. Também a relação promíscua entre Estado e Igreja de outrora é um dado persistente que, ao contrário do local demolido pela ganância, resiste como um sintoma alarmante da constituição política da nação tupiniquim. Helena coloca uma considerável carga dramática na voz que conduz a trama através dessas tristes constatações.

Sobressai em O Desmonte do Monte o ímpeto, observável tanto na entonação quanto no roteiro desenhado, de expor essas violências, de posicionar-se diante da História. Não se trata, grosseiramente, de oferecer fatos e registros a fim de montar um painel funcional, mas de apresentar um enfrentamento das ocorrências. Sinai Sganzerla foge ao convencional, se furtando de expor entrevistas com pesquisadores, evitando, em semelhante medida, condicionar demasiadamente o olhar do espectador. São deixados espaços suficientes para que haja uma leitura própria. Contudo, para isso, a realizadora não se vale do discurso conveniente da “isenção”. Realmente, há carga ideológica na forma como o filme transcorre, na entonação de Helena, mas em nenhum momento a produção empurra goela abaixo uma compreensão das coisas. Quanto aos contornos didáticos da produção, eles estão, dessa maneira, alinhados à nobreza do ofício de ensinar, sem incorrer em adestramentos e afins.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
avatar
Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

Grade crítica

CríticoNota
Marcelo Müller
6
Leonardo Ribeiro
7
MÉDIA
6.5

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *