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Crítica


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Sinopse

Os anos fizeram com que Beatriz e o Velho operassem na mesma frequência. Eles se destroem e precisam um do outro, pois compartilham demônios, memórias, ressentimentos e dores. Enquanto ele vive ciumento, ela precisa se sentir desejada. Mas Dinorah, a empregada, escolhe um dos lados, o que acaba mudando o destino do casal.

Crítica

Beatriz (Silvia Pasquel) e seu marido chamado somente de Velho (Alejandro Suárez) vivem um casamento atado pela frustração. São constantes entre os dois as agressões verbais, principalmente as vindas dele. Ela, como que para manter resquícios desses momentos de violência por algum motivo insondável, anota os xingamentos e os reproduz adiante, aleatoriamente, até para os estranhos. Eles moram praticamente num mausoléu, numa casa repleta de quinquilharias e objetos afetados pelo tempo. Esse clima beirando o funesto, no qual a decrepitude dos vínculos emocionais é impressa nas paredes e nos corredores mal iluminados, é desenhado pela belíssima fotografia em preto e branco de O Diabo Entre as Pernas, filme em que o desejo e a destruição andam juntos, geralmente se entremeando e muitas vezes alimentando-se mutuamente. O homem é ressentido pelo passado repleto de aventuras sexuais de sua mulher. Por isso, e com base numa dinâmica moralista enviesada, se acha no direito de, primeiro, traí-la, e, segundo, de humilha-la diariamente.

O Diabo Entre as Pernas não é um filme subordinado a teses. Causas e efeitos surgem nas entrelinhas. Trata-se de uma produção em que o simbolismo está a serviço da apresentação desses relacionamentos avessos a definições reducionistas, principalmente porque o cineasta mexicano Arturo Ripstein não faz qualquer esforço no sentido de justificar atos e compreender estritamente essa união atravessada por tantas incongruências. Na metade inicial do longa-metragem, o idoso que praticamente se arrasta pela casa, aparentando certa vitalidade apenas na companhia constante da amante, vocifera impropérios pela suposta falta de pudores de Beatriz. A voracidade sexual da mulher, estado bem mais mencionado que delineado efetivamente, é ameaçadora, tanto que ele parece atacar por um medo terrível de ser arrastado pelas lembranças das aventuras pregressas dela. Aos poucos o carinho surge pelas frestas de tanta brutalidade, tornando esse elo intrincado e multifacetado.

Quem possui a natureza mais imprecisa é a jovem Dinorah (Greta Cervantes), empregada que testemunha rotineiramente os cônjuges descontando um no outro o desencanto  por não conseguirem lidar consigo próprios. De observadora passiva ela gradativamente passa a tomar as dores do patrão, chegando a enxerir-se de fato nesse turbilhão. A energia que Beatriz e seu velho marido utilizam para mutilar-se, ora frontalmente, ora com requintes de uma crueldade mal disfarçada, é oposta à demonstrada no exterior da casa. Fora, ele consegue sair dessa paralisante letargia do comodismo, quando nos braços da "concubina" que o satisfaz com praticidade no horário do expediente. Já ela, tachada de promíscua e julgada por atos do passado longínquo, assim pagando a dívida do julgamento hipócrita no presente, se sente completa nas aulas de tango, no belo cenário de franjas reluzentes. Não há vilões e mocinhos, pois realmente o cineasta refuta os rótulos.

O Diabo Entre as Pernas é um filme lento, para ser sorvido com vagar e atenção. Há pouca inclinação de Arturo Ripstein pelo desvelamento de uma trama propriamente dita. Nuclear é a atmosfera criada a fim de denotar estranhamentos nutridos pelas vicissitudes da alma humana. Os personagens não cabem em leituras simples, estão ali para representar exatamente a inconstância desse casamento falido no agora e que, talvez como forma de suscitar a erupção de alguma energia residual, vai buscar no ontem a lenha encarregada de colocar o par em combustão. Como entre Beatriz e o Velho o desejo sexual adquiriu contornos deformados, ambos deixam inconscientemente as mágoas assumirem as rédeas, mesmo que isso os direcione aos abismos em vários instantes. O filme soa demasiadamente cifrado ou evasivo em determinadas partes, porém é bem-sucedido ao desenhar essa forte atração com nesgas de repulsa e o ódio sendo retroalimentado pelo amor.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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