Crítica
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Sinopse
Depois de 200 anos congelado, um clarinetista é trazido de volta por um grupo contrário ao poder vigente. Fugindo disfarçado de robô, ele pretende conhecer esse novo mundo, muito diferente da sua realidade de antes.
Crítica
Em 1972, Woody Allen e Diane Keaton se uniram na telona pela primeira vez em Sonhos de um Sedutor, filme dirigido por Herbert Ross, baseado numa peça do próprio Allen. Na época, eles eram um casal na vida real, contudo o romance não chegou a durar muito tempo. Por outro lado, sua parceria cinematográfica seria uma das mais ricas da carreira de Woody Allen – e, porque não dizer, da própria Diane Keaton, ela que recebeu diversos presentes em forma de personagens feitos sob medida para seu talento. Um ano depois, com o namoro já encerrado, Woody Allen convidaria Diane Keaton para ser co-protagonista em uma comédia futurista intitulada Dorminhoco. É notável na tela a química entre os dois e como o talento de Keaton para a comédia a fazia a parceira perfeita para Woody Allen – ao menos no cinema.
Com roteiro assinado por Allen junto de Marshall Brickman, Dorminhoco transporta o espectador para o ano de 2173. Um grupo de cientistas encontra um ser humano congelado em uma cápsula criogênica, datada de 1973. Ao conseguir reavivar o indivíduo, eles descobrem se tratar de Miles Monroe (Allen), um músico de jazz que, ao procurar tratamento para uma úlcera, acaba sendo congelado (por cinco dias, no máximo, lhe dissera o doutor) e é acordado depois de 200 anos. Os cientistas veem em Monroe uma boa chance de ajudar a revolução contra o Líder, figura máxima daquela sociedade futurística, que governa o mundo com punho de ferro. Monroe não se vê impelido em ajudar, já que política não é seu forte. Sem escolha – está sendo caçado pelo governo para que seu cérebro seja ajustado em sintonia com os demais – Monroe parte em busca de Aires, um projeto secreto que os revolucionários acreditam ser a chave para a vitória. Em sua fuga, Monroe se fantasia de robô e acaba sendo levado para a casa de Luna (Keaton), uma socialite mimada que só se interessa pelos prazeres da vida. Os dois partirão em uma jornada que transformará completamente a realidade de ambos.
A grande novidade de Dorminhoco é, finalmente, alguém que consiga ser páreo para o talento de Woody Allen frente às câmeras. Até então, em sua carreira, nenhuma figura em seus filmes era tão importante quanto ele próprio. Existe uma mudança no interesse amoroso. Se antes, em filmes como Um Assaltante bem Trapalhão (1969) e Bananas (1971), a mulher era uma figura quase decorativa, servindo apenas como incentivo ou motivo para que o protagonista agisse, em Dorminhoco a personagem feminina ganha o que fazer. Com a entrada de Diane Keaton, existe claramente uma co-protagonista, uma personagem que sofre mudanças no decorrer da trama, que participa ativamente dos acontecimentos da história e que, em certos momentos, consegue ser tão (ou mais) engraçada que Woody Allen. Isso denota uma maturidade maior do roteirista, que consegue escrever de forma mais afiada para outras pessoas, e um notável carinho do cineasta para com uma atriz talentosíssima, com ótimo timing cômico, um verdadeiro achado.
Se Diane Keaton é uma co-protagonista ativa em Dorminhoco, ainda é verdadeiro dizer que o show continua sendo de Allen. Novamente misturando piadas verbais com muita comédia física, o cineasta/roteirista/ator cria um mundo futurista saído do universo dos Jetsons – e é de se perguntar como seria a direção de arte do filme caso fosse realizado hoje, com toda a tecnologia disponível. As casas têm arquitetura arrojada, os carros parecem luminárias ambulantes e os “avançados” computadores ocupam uma parede inteira de uma sala. Curiosamente, Allen cogitou filmar Dorminhoco no capital brasileira, Brasília, aproveitando sua conhecida arquitetura. O orçamento, no entanto, não permitiu que fizesse tal viagem.
É sempre curioso observar a visão de futuro de uma produção mais antiga. Existem, aqui e ali, algumas invencionices que, ao menos no mundo de hoje, acabaram realmente se concretizando. É o caso da televisão, por exemplo, instalada na parede e com tela plana. Em 2173, provavelmente teremos outras tecnologias televisivas – mas é curioso observar que em pleno século XXI, já utilizamos uma das “invenções” do longa-metragem. Ironicamente, quando Miles acorda, pensa estar rico por ter comprado, no passado, ações da Polaroid. Se em 1973, a piada já funcionava, no século XXI, com a era digital, ela está mais atual do que nunca. Por outro lado, estamos ainda engatinhando em gadgets como a orb, um aparelho que dá um barato semelhante ao uso de drogas, através do simples toque, e o orgasmatron, uma câmara utilizada para as relações sexuais futurísticas. E o que dizer do confessionário automatizado, que oferece um brinde à pessoa que é absolvida?
Dorminhoco, além de ser uma imaginação criativa do futuro, é um trabalho que está sempre olhando para o passado. A própria tagline do filme entrega este conceito: uma visão nostálgica sobre o futuro. Notem que seu protagonista, nos primeiros 10 minutos de projeção, não solta uma palavra. Seus trejeitos e atitudes são uma grande ode ao cinema mudo, uma forma que o cineasta encontrou de trabalhar seu humor físico e fazer uma homenagem aos seus heróis do passado. O roteiro inicial trazia uma sociedade futurista que não se comunicava mais através das palavras, uma forma encontrada por Allen para inserir organicamente a comédia física, sem o uso de diálogos, dentro da história. O conceito foi abandonado, mas ainda encontrou algumas brechas dentro da trama. Allen inclusive utiliza um das mais tradicionais e batidas gags do cinema mudo, a escorregadela na casca de banana, literalmente maximizando a piada.
O filme mostra o tradicional embate entre um homem fora do seu lugar e a sociedade tentando preservar seu status quo, de forma violenta se for preciso. Em uma das mais célebres frases de Dorminhoco, Miles Monroe revela a sua amada que acredita em apenas duas coisas: sexo e morte. “A diferença é que, depois da morte, você não fica enjoado”. Estes preceitos resumem bem a visão de Woody Allen sobre o mundo e seriam repetidas inúmeras vezes em seus filmes posteriores.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
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Rodrigo de Oliveira | 7 |
Ailton Monteiro | 5 |
Robledo Milani | 6 |
MÉDIA | 6 |
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