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Após ter atingido o estrelato internacional com Intocáveis (2011) – uma das produções francesas de maior sucesso de bilheteria em todo o mundo, além de ter sido o filme pelo qual ganhou o César de Melhor Ator, vencendo, inclusive, o oscarizado Jean Dujardin de O Artista (2011) – Omar Sy se tornou um nome de peso no mercado cinematográfico. E ao mesmo tempo em que tem marcado uma presença discreta em blockbusters hollywoodianos – como X-Men: Dias de um Futuro Esquecido (2014) e Jurassic World: O Mundo dos Dinossauros (2015) – ele segue reafirmando seu estrelato em longas produzidos no seu país natal nos quais aparece como protagonista absoluto. Entre estes, temos propostas audaciosas, como Chocolate (2016), e outras mais populares, como Uma Família de Dois (2016). Este O Doutor da Felicidade, refilmagem de um clássico francês de 1951, alinha-se melhor nesta segunda vertente.
Tanto Knock, o longa original, quanto O Doutor da Felicidade são baseados em uma peça de Jules Romains, cuja primeira incursão na tela grande data de 1923! Ao todo, já foram quase trinta encenações – a maioria para a televisão, no entanto – do gaiato que decide estudar medicina e, após se mudar para um vilarejo no interior, resolve pregar um método pouco convencional com seus vizinhos. Adaptando para o seu caso a máxima jurídica de que “todo mundo é inocente até que se prove o contrário”, o Doutor Knock (Omar Sy) acredita que “todo mundo está doente até que se prove o contrário”. Ou seja, qualquer pessoa, independente de sua situação, deve se preocupar com a própria saúde – e todo cuidado é pouco. Sua visão, que combina prevenção com marketing, dedicação com propaganda, pode ser pouco comum – ainda mais na época em que a trama está ambientada, em plenos anos 1950 (ou no início do século passado, como no texto original), mas logo terá diversos adeptos.
Diferente da maioria das composições feitas até então, o Dr. Knock de Omar Sy é construído especialmente para se encaixar no carisma do ator. É por isso, portanto, que sofre sua maior alteração: ao invés de ser um malandro que usa uma suposta hipocondria generalizada para ganhar em cima dos incautos, desta vez não faz nada de legitimamente errado – ainda que seus métodos sejam, no mínimo, controversos. É por isso que se preocupa em se encontrar com o diretor da escola local, convencendo-o a instituir o ensino de práticas de higiene em sala de aula – com ele ganhando como instrutor, é claro. Outro exemplo é a associação que estabelece com o farmacêutico – quanto mais remédios ele prescrever, mas esse irá vender, e ambos ganharão com isso – ou com a dona do único hotel da cidade, que é parcialmente transformado em hospital, justamente para poder abrigar os novos enfermos – ou seria para melhor cuidar dos moradores da região, que não tinham quem se preocupasse com eles até então?
Essa análise já seria suficiente para fazer de O Doutor da Felicidade – o título pode remeter ao médico brincalhão vivido por Robin Williams em Patch Adams: O Amor é Contagioso (1998), mas os resultados são bem distintos – uma obra digna de interesse, mas a diretora e roteirista Lorraine Lévy (O Filho do Outro, 2012) não se dá por contente. Isso se percebe com a inserção de uma subtrama policial que pouco faz sentido – anos atrás, Knock fugiu de Marselha com uma dívida de jogo, e o mafioso reaparece como que por encanto para cobrar o que lhe é devido, sem esquecer dos muitos juros acrescidos – e que ainda rende momentos constrangedores – basta dizer que envolve uma forte disenteria. Por outro lado, a questão religiosa – o padre é o único que desconfia de Knock, tratando-o com suspeita, sem disfarçar o ciúme que sente pela atenção que o recém-chegado tem recebido de todos – também não é abordada com profundidade. Um olhar mais detalhado sobre o embate entre fé e ciência certamente poderia render mais do que o exposto em cena.
Entre situações de puro pastiche – o carteiro bêbado responde por várias – e outras indecisas entre o drama romântico ou o thriller aventuresco, O Doutor da Felicidade acaba se salvando, mesmo, pelo desempenho hipnótico de Omar Sy. Ele deixa evidente o magnetismo que possui, confirmando-se mais como astro do que como intérprete diversificado. Em muitas situações, esta seria uma constatação problemática. Não é o caso, no entanto, diante de uma farsa de costumes que se apoia sem vergonha em alguns exageros justamente para chamar a atenção dos menos perspicazes. E entre tipos caricatos – a viúva rica, a solteirona tarada, o gago, a patroa ranzinza – e uma certa irregularidade na condução da trama, quem se garante mesmo é o protagonista, que faz desse um show de um só homem. Enquanto essa for sua única ambição, ao menos estará de bom tamanho.
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